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Principais bancos do país acumulam cerca de 100 mil imóveis retomados em pagamento a dívidas

Glauce Cavalcanti e Rennan Setti, O Globo

Os cinco principais bancos do país — Caixa, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander — detêm entre 90 mil e cem mil imóveis retomados em pagamento a dívidas, segundo levantamento da ReSale, plataforma especializada na venda desses imóveis e cujo controle foi comprado pelo BTG Pactual em maio. Este total equivale a 74% dos 121,5 mil imóveis novos e prontos para venda no país, de acordo com dados da Abrainc, entidade que reúne as incorporadoras. O inchaço da carteira de imóveis nas mãos dos bancos é mais um entrave à retomada da construção civil pelo aumento da oferta ou pelo crédito mais restrito.

Os cinco bancos fecharam o primeiro semestre do ano com R$ 18,14 bilhões em bens retomados por inadimplência, a maioria imóveis, um avanço de 14,4% em um ano. A Caixa, sozinha, detém 61% do total, com R$ 11 bilhões. No fim de 2018, o banco estatal somava perto de 63 mil imóveis na carteira. Eles estavam avaliados em R$ 11,5 bilhões.

— Estimamos até cem mil imóveis (retomados), mas, se os bancos seguissem à risca a régua de cobrança desse bens, esse número seria até três vezes maior. E eles não o fazem justamente pela dificuldade que encontram para vendê-los — diz Marcelo Prata, fundador e diretor executivo da ReSale. — Banco não é imobiliária. Ele não sabe vender, e custa caro para manter esses imóveis no balanço. Ele tem que arcar com custos como IPTU e condomínio e até com o risco de invasão. Logo, apesar de o imaginário popular dizer o contrário, tomar imóvel é um péssimo negócio para ele.

Setor foi destaque no PIB

O comportamento da construção civil foi um dos destaques da alta de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre deste ano. O setor cresceu 2% no período frente a 2018, primeira expansão depois de 20 trimestres de queda. O avanço foi impulsionado pelo aumento de 10,7% no crédito para financiamento habitacional, o que acabou ampliando a abertura de vagas.

Representantes do setor, porém, avaliam que o número elevado de imóveis nas mãos dos bancos pode afetar os avanços do setor:

— Com a retomada subindo, os bancos tendem a ser mais criteriosos na concessão de financiamento para o setor produtivo. Isso pode frear projetos na construção, o que afeta diretamente a geração de emprego e renda do setor, que tem alta importância no PIB — comenta Cláudio Hermolin, presidente da Ademi-RJ, que reúne as construtoras cariocas.

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Luis Santacreu, analista da Austin Rating, explica que os imóveis são “pesados” para os balanços dos bancos, pois consomem capital importante, diminuindo a liberdade que as instituições têm para emprestar.

Prata, da ReSale, também vê um impacto indireto:

— Não atrapalha a construção civil de maneira direta, já que são imóveis ainda ocupados e cujo comprador é, em geral, um investidor, não alguém que queira morar. Mas, se os bancos não conseguem se desfazer desse estoque, eles começam a ficar mais exigentes no financiamento imobiliário. Isso, sim, pode prejudicar a construção civil.

Há, porém, quem avalie essa carteira de imóveis retomados como uma via paralela:

— É uma espécie de terceiro mercado para venda de imóveis, diferente dos de imóveis novos e de usados. O de retomados é composto, em sua maioria, por imóveis com problemas. Têm dívidas, processos na Justiça, estão ocupados e não têm as melhores localizações. A maior parte é de baixa renda, faixa mais sensível ao emprego — explica José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).

Pesquisa da ReSale com base em estoque de retomados à venda pela Caixa mostra que 88% estão ocupados. O preço médio de um apartamento é de R$ 139,4 mil, com deságio de cerca de 30%.

Segundo Prata, até 2014, os leilões eram capazes de escoar o volume de imóveis retomados. Com a crise derrubando emprego e renda, porém, o estoque deu um salto e os bancos começaram a enfrentar dificuldades para se desfazer do passivo. O fundador da ReSale calcula que o volume venha dobrando a cada ano desde então.

— O volume de imóveis retomados reflete a situação da economia. Apesar de percebermos sinais de melhora no ambiente econômico, o desemprego continua alto, a classe média segue com a renda achatada e buscando solução na informalidade. E é um estoque que vai voltar para o mercado — alerta Hermolin.

No primeiro semestre deste ano, o Banco do Brasil retomou 1.045 imóveis, quase o equivalente ao total de 2018, que foi de 1.152 imóveis. Ao todo, o banco tem 2.900 dessas unidades em estoque, tendo vendido apenas 164 delas no ano passado.

Para frear a expansão no estoque de imóveis retomados, diz Hermolin, é preciso reativar a economia de forma a reduzir a inadimplência, gerar emprego e adotar ações práticas para a venda desses ativos.

Os bancos vêm buscando caminhos. Dado o tamanho do seu estoque, a Caixa vem tentando, sem sucesso, reduzi-lo por meio de soluções de atacado, segundo Prata. Ainda em 2017, o banco fechou parceria com os membros do Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci) para vender as unidades, oferecendo 5% de corretagem. Mas o problema continuou crescendo, e a Caixa passou a buscar soluções junto a fundos especializados na compra de ativos problemáticos, como a Enforce (também do BTG) e o fundo americano Cerberus. Os valores obtidos, contudo, não se mostraram relevantes. Há a expectativa de que a Caixa volte a estruturar uma oferta para grupos desse segmento ainda este ano.

Para Vinicius Costa, presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), a legislação que assegura ao banco o imóvel como garantia do empréstimo funciona, neste momento, como “um feitiço que virou contra o feiticeiro”:

— O patrimônio imobilizado nesses bens retomados traz prejuízo. E tem forçado os bancos a flexibilizarem as negociações com mutuários. Um imóvel retomado vai a leilão primeiramente pelo valor da dívida. Se não for vendido, há um segundo leilão, pelo valor de avaliação. Mas não é o investimento mais vantajoso.

O mercado imobiliário também vem experimentando crescimento. No segundo trimestre, registrou aumento de 16% nas vendas sobre igual período de 2018, segundo a Cbic.

— Há crescimento. Apenas nos mercados em situação econômica difícil é que esse estoque de retomados pode representar um problema — diz Martins.

Os bancos lançaram novas modelagens de crédito imobiliário. A Caixa saiu com o financiamento reajustado pelo IPCA, e o BB optou por descontos que variam conforme o prazo de pagamento.