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Delação, um monopólio inconviniente

Fernando Segovia

A sociedade brasileira, hoje assombrada por sentimentos de insegurança desde o pacato interior até as grandes metrópoles, poderá, nesta semana, ser brindada com notícias que lhe venham a trazer maior tranquilidade.

A mais importante corte de Justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal, está na iminência de decidir, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5508, se há monopólio para recebimento e processamento da delação premiada ou da “colaboração premiada”, como é tratada pela lei de combate às organizações criminosas (lei 12.850/13).

Pode-se imaginar que é mais um tema complexo de natureza técnico-jurídica, que não alcança diretamente o povo brasileiro nem tenha reflexos claros no dia a dia de quem vive nas diferentes realidades sociais de norte a sul do nosso país-continente; isso, no entanto, é uma falsa impressão.

A decisão vai causar impacto diretamente na celeridade e efetividade de investigação de milhares de casos de corrupção; lavagem de dinheiro; sequestros; crimes violentos; distribuição e comércio de drogas; furtos de residências; assaltos à mão armada; aplicação de recursos públicos e de ações planejadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho dentro e fora dos presídios brasileiros.

Desde o ato de instauração de um inquérito à infiltração policial, o exercício de atos investigativos sempre foi inerente à atividade técnico-jurídica policial, sob a supervisão de um órgão de controle externo e sob a égide constitucional de autorização judicial para as incursões que importem em mitigação de garantias e direitos individuais (reserva de jurisdição).

A assertiva de “legitimidade exclusiva” de uma instituição para “celebração de acordo de colaboração premiada” nos mostra como é atual a obra do grande filósofo francês Montesquieu (1689-1755).

Há quase 300 anos (“O Espírito das Leis”, 1748) se fala e se estuda sobre a separação de poderes, a interdependência de funções, “checks and balances” (freios e contrapesos), enaltecendo-se controle e supervisão e criticando-se sobreposição de órgãos e superpoderes.

A Polícia Federal nunca buscou estabelecer penas, benefícios ou negociar perdão judicial com o investigado, mas tão somente receber a confissão qualificada do integrante da organização criminosa e investigar os dados, informações, atos e fatos fornecidos como meio de obtenção de prova, para identificar a maior quantidade criminosos, recuperar o produto do delito, descapitalizar o crime organizado e aprofundar a investigação.

A colaboração premiada como ferramenta de investigação policial segue um rigoroso padrão de análise e controle interno, cabendo lembrar que a instituição Polícia Federal serve à sociedade brasileira, não atende a interesses pessoais, políticos ou corporativos e conseguiu angariar a confiança de todos os segmentos sociais em razão de um trabalho duradouro, ético, técnico, transparente, imparcial e independente, sujeito aos mais diversos tipos de controle.

Não se pode escolher o que a polícia judiciária investigará, criar feudos nem limitar os meios de produção de prova que estão ao seu alcance, devendo a sociedade brasileira atentar para a perniciosa e sutil proposta de exclusão da delação premiada como importante ferramenta de trabalho da Polícia Federal e das polícias civis na luta contra o crime organizado.

O debate a respeito do papel dos órgãos públicos é, sem dúvida, inerente ao regime democrático e ao sistema de freios e contrapesos; portanto, amadurecidas as ideias, acredita-se que a capacidade e a legitimidade da Polícia Federal para firmar o acordo de delação premiada, assentadas em base constitucional e legal, também encontrarão o devido respaldo da nossa corte constitucional de Justiça, e novas operações Lava Jato se espalharão pelo país, com mais segurança jurídica.

Fernanda Segovia, 48, é diretor-geral da da Polícia Federal