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Contra a fuga de cérebros: o voto

Contra a fuga de cérebros: o voto

Ilona Szabó de Carvalho

O que mais marcou o meu domingo não foi o morno jogo da seleção brasileira, e sim os dados da pesquisa Datafolha que mostram que cerca de 70 milhões de brasileiros com mais de 16 anos deixariam o país se pudessem. Na mesma matéria fica claro que para muitos brasileiros a intenção de sair do país já virou ação. O número de vistos para imigrantes brasileiros nos EUA em 2017 foi o dobro de 2008, e os pedidos de cidadania portuguesa aceleraram, chegando a mais de 50 mil concessões desde 2016 somente no consulado de São Paulo.

Não é de hoje que essa tendência se manifesta em nossa sociedade, mas os números são chocantes. No caso dos que se vão, não estamos apenas perdendo talentos, e sim investimentos. Os impactos da fuga de cérebros são sentidos por gerações. Leva quase uma década para treinar bons profissionais. Pensem nos advogados, cientistas, dentistas, médicos, engenheiros e profissionais da indústria criativa que estamos perdendo para outros países. As pessoas estão saindo porque perderam a esperança. Em sua maioria estão preocupadas com a situação política, econômica e de segurança. Muitos temem o crime, outros estão frustrados com a falta de mobilidade social e com a baixa qualidade dos serviços públicos.
Acontece que a maioria da população não tem condições de sair do país e sua insatisfação reforça uma dinâmica preocupante na política nacional. Um número crescente de pessoas se desligou da política e se absteve de votar nas últimas eleições. Nas eleições presidenciais de 2014, cerca de 30 milhões de brasileiros não votaram em nenhum candidato. Nas eleições municipais de 2016, no Rio de Janeiro e em São Paulo, os prefeitos eleitos tiveram menos votos que a soma dos votos brancos, nulos e abstenções. Em agosto de 2017, no segundo turno da disputa para o governo do estado do Amazonas, quase 50% dos eleitores não votaram, e em junho deste ano no Tocantins, os votos nulos, brancos e abstenções somaram quase 44% no primeiro turno da eleição suplementar para o governo do estado.

Em geral, quem ganha com o não voto são os candidatos dos polos e a velha política, que está de muitas formas por trás da sucessão de crises que vivemos no país. Os eleitores estão desiludidos com os partidos e elites políticas, e com os infinitos escândalos de corrupção. Estão convencidos de que os eleitos não trabalham por eles e que o voto não mudará o status quo. Perdemos a fé nas instituições públicas e a confiança em nossas identidades cívicas. Somos um povo otimista, mas o que prevalece agora é o pessimismo e seu primo feio, o cinismo. Onde está o sonho brasileiro?

Sem sonho não há futuro. Há milhões de brasileiros desalentados, desempregados, subempregados, endividados, amedrontados e, os que podem, exilados. É urgente devolver à população o direito de sonhar. Vai demandar muito trabalho. E é apenas arregaçando as mangas que vamos construir um Brasil digno de ser vivido, que convença as futuras gerações a permanecer e investir. Tenho falado que a mãe de todas as crises é a crise política. Não acho que é exagero. E ela só se resolve com mais gente participando da política e não o oposto.

Participar da politica não é somente para quem tem pretensões eleitorais, pelo contrário. Certamente a maioria absoluta das pessoas jamais se candidatará e isso não tira a importância central do engajamento. É sempre importante lembrar: votar é decidir por meio do voto. Não votar é deixar que os outros decidam por você. Ajude a aumentar a corrente pelo voto consciente. Os brasileiros que aqui querem ficar e os querem um dia voltar agradecem.

Ilona Szabó de Carvalho, cientista política é mestre em Estudos de Conflito e Paz por Uppsala.

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