Quem informa é a jornalista Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo. Segundo ela, a blogueira cubana diz que fica “triste” porque os profissionais servem “como mão de obra barata”, mas afirma que eles vão ajudar a salvar vidas
Opositora do regime comunista, a blogueira e ativista cubana Yoani Sánchez defende a contratação de profissionais da ilha pelo programa brasileiro Mais Médicos. Mas diz que “há algo de verdade” em chamá-los de “escravos”, porque seriam usados “como mão de obra barata”.
“Gostaria que as organizações sindicais brasileiras ajudassem esses médicos”, diz.
Há alguns dias, ela conversou com Joelmir Tavares em Denver, nos EUA, na assembleia da SIP, a Sociedade Interamericana de Imprensa.
Procurada para comentar as declarações de Yoani à coluna, a Embaixada de Cuba não se pronunciou.
Já o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que ajudou a receber a blogueira no Brasil em fevereiro, discordou dela.
“O que eu gostaria de dizer à Yoani, com todo o carinho, é que os médicos cubanos com quem conversei não reclamam da remuneração nem se sentem como escravos.”
Os profissionais de saúde sabem previamente as regras e não são obrigados a aceitar o trabalho, diz o petista.
“Eles se inscrevem porque querem vir. Sabem que vão receber uma remuneração menor do que os R$ 10 mil pagos pelo governo brasileiro [à Organização Pan-Americana de Saúde, que repassa a verba ao governo cubano]. Não vejo por que criticar Cuba ou o Brasil pelo projeto.”
A seguir, trechos da entrevista com Yoani.
Folha – O que pensa do programa Mais Médicos?
Yoani Sánchez – Tenho opiniões desencontradas. Por um lado, nunca estaria contra um projeto médico que vai ajudar a salvar vidas, a proteger pessoas, a atender a população que não tem acesso ou que tem um acesso limitado à saúde pública. Parece-me bom que médicos, sejam cubanos, russos, suecos ou brasileiros, ajudem outros seres humanos.
E qual é sua segunda opinião?
Minha crítica a esse projeto e a esse movimento de enviar médicos cubanos ao Brasil é que essas pessoas, nas questões salarial, laboral e sindical, são utilizadas como mão de obra barata. São pessoas que vão a diferentes países, e não só ao Brasil. Há experiências parecidas na Venezuela, Equador, Bolívia, África do Sul. Os governos desses países pagam grandes quantias ao governo cubano e, em troca, os médicos recebem valor quase simbólico [estimado entre 25% e 40% do total].
Isso me entristece porque em Cuba temos profissionais muito qualificados. Há exceções, como em toda parte. Mas nós temos profissionais talentosos, que estão passando por uma situação econômica e material lamentável. Muitos são grandes especialistas em sua área, mas não têm dinheiro nem para comprar um par de sapatos ou tomar café da manhã.
Muitas vezes os médicos são mais vítimas do que beneficiários. Portanto, eu gostaria que as organizações sindicais brasileiras, de proteção a médicos, de proteção a profissionais da saúde, ajudassem esses médicos.
O que eles pensam do Brasil?
Conheço alguns que foram selecionados para ir para o Brasil. E a primeira reação deles é de alegria, porque terão a oportunidade de ir a um país onde irão ganhar um pouco mais de dinheiro, onde vão poder ter certas liberdades. Pensam que, quando voltarem [a Cuba], poderão comprar um computador, uma lavadora nova, ou vão poder construir o teto da casa. É muito triste que um profissional da saúde tenha que sair do país para conseguir essas realizações. Parece-me muito boa a ajuda humanitária. Mas, por favor, por uma condição salarial, laboral e humana satisfatória.
E a parceria de Brasil e Cuba?
Imagino que o governo brasileiro tenha acertado as condições com o governo cubano. Em parte porque precisa de médicos, em parte porque isso se converte em uma questão de geopolítica.
A maioria dos países para onde Cuba tem enviado médicos são nações que interessam ao governo cubano. É uma maneira também de ter uma presença não militar, que se converte em uma força de pressão diplomática. Lamentavelmente, a presença desses médicos às vezes vira motivo para silenciar críticas ao governo cubano.
Pode ocorrer com o Brasil?
Espero que o governo do Brasil possa superar isso e seguir mantendo ênfase nos direitos humanos, sem prejudicar o projeto de levar médicos cubanos a seu território. Vamos ver isso nos próximos meses. Não há comparação, por exemplo, com a proximidade entre os governos de Cuba e Venezuela. Noto mais cautela. Lamentavelmente, muitas vezes os interesses econômicos se sobrepõem aos políticos. No porto de Mariel [em Cuba], o Brasil está ajudando muito, com dinheiro e prestígio. Ultrapassa ligeiramente o tom diplomático.
O que pensou sobre os protestos, alguns agressivos, contra os médicos cubanos no Brasil?
Sou uma pacifista. Não gosto da violência, nem por parte dos que pensam como eu nem dos que discordam de mim. Quando se aplica a violência contra uma pessoa, ela sai mais dignificada.
Alguns cubanos foram chamados até de escravos.
É triste, é triste. Mas há algo de verdade nisso, no sentido de que essas pessoas, nos direitos laborais e salariais, estão sendo muito sacrificadas.
Como se sente quando é atendida por médicos cubanos?
Desde 2009 não vou a nenhum médico em Cuba. Na última vez que fui, por causa de um golpe que havia sofrido em um sequestro da polícia política, os médicos que me atenderam foram entrevistados por autoridades, o que viola o juramento de Hipócrates. Decidi que não voltaria a um médico lá, por causa da falta de privacidade. Resolvi contar com a sorte em relação à minha saúde. Por sorte [beija a mão direita], sou uma pessoa saudável.
Consegue pensar em alternativas para solucionar a falta de médicos no Brasil?
O Brasil é um país muito complexo, que não conheço em profundidade. Mas penso que seria preferível o incentivo à formação de médicos locais a trazê-los de fora, porque [os brasileiros] conhecem melhor o idioma, os lugares, se identificam melhor com as pessoas. Mas desejo muita sorte a esse projeto [Mais Médicos].
Você está fundando um jornal em Havana. Como ele será?
É um jornal digital. Vamos tratar de tudo: cotidiano, tecnologia, economia. Eu e a equipe queremos lançá-lo até o fim do ano. Vamos ver se os santos da tecnologia e da informação nos permitem.
Não tem medo de censura?
Claro. Mas vamos fazer. Não vamos esperar que seja permitido para fazermos.