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Xenofobia é um ato desumano

Rodini Netto(*)

O racismo velado parece ter dado lugar ao racismo violento e real, naquela que é a mais europeia das cidades brasileiras. A capital do Paraná começa a ter relatos graves de agressões contra cidadãos haitianos que vieram para cá. Em empresas, em alojamentos preparados por estas, haitianos e outros estrangeiros de pele negra, vem sendo alvo de agressões verbais e físicas, por conta de sua cor e por serem de fora.

Mas o que é isso? Isso é algo que está intrínseco naqueles que são de origem europeia… essa é uma verdade…

Fui imigrante em Portugal por aproximadamente cinco anos. Sou descendente de italianos, com uma grande miscigenação de raças, como a grande maioria dos brasileiros. Acontece que acabei tendo em mim um tom de pele mais europeu, ou seja, sou o que chamamos de branco. Mas isso não impediu que, vez por outra, eu ouvisse em alto e bom som: “volta pra tua terra”… muito mais do que a dor que sentimos, e a vontade mesmo de estar em nossa nação, é a sensação de surpresa, somada à revolta, faz com que nos coloquemos a pensar sobre “se vale a pena mesmo”.

Quando saímos para morar e trabalhar em outro país, o fazemos por querer realizar algum sonho… não vamos embora porque tudo lá fora é maravilhoso… vamos porque pretendemos fazer algo que o nosso país, por um motivo ou outro, não nos deu a oportunidade de realizar… mas quando pessoas que perdem tudo, vão para outros países, elas vão com o intuito de poder alimentar suas famílias e dar um mínimo de dignidade a elas… a maioria dos haitianos e outros imigrantes que vivem no Brasil, estão aqui porque necessitam enviar dinheiro para sustentar suas famílias lá fora… não estão aqui para “jogar futebol”, “dançar samba”, “curtir o carnaval” e, por isso, não são turistas… e é aqui que quero chegar, porque, assim como quando estive lá fora, vejo os brasileiros praticando o mesmo tipo de pressão com quem é de fora: se é turista, seja bem vindo (vamos aproveitar o dinheiro que você gasta…uhúuuu)… mas se é imigrante, você não é nada, não é ninguém, “é inferior a mim”…

Já faz algum tempo que eu pretendia tocar nesta questão… acabei adiando… mas depois dos casos de ebola que estão acontecendo, criou-se uma histeria coletiva que é inadmissível… afinal, o Brasil não é um país de praticamente todas as nações???

Sinceramente, como um ex-imigrante, apesar de uma ou outra manifestação sofrida contra mim em Portugal, pude ver que a grande maioria dos portugueses nos respeitava e que aquilo era coisa de meia dúzia de pessoas ignorantes, sem educação, e que não entendiam e nem queriam entender o choque cultural que acontecia entre portugueses e imigrantes… e isso é o que estamos vendo por aqui…

Curitiba é uma cidade maravilhosa… e os atos de violências verbais e físicas contra imigrantes, só pode ser coisa de meia dúzia de ignorantes que não sabem lidar com o choque cultural entre brasileiros e imigrantes (assim espero)!

Quando vivi lá fora, por ser branco, e por ficar calado muitas vezes, era confundido com ucranianos, russos, pessoas dos países de leste e, então, ouvia em alto e bom som: “volta pra tua terra”… Quando descobriam que era brasileiro, amenizavam todo tipo de crítica… aí se ouvia, “Ôh, Brazuka”… e havia um respeito… mas porque era branco… porque os brasleiros que lá viviam e que possuem um tom de pele mais escuro, sofriam, em sua grande maioria, o mesmo tipo de pressão xenofóbica que é praticada contra os africanos que lá vivem… Mas, a grande maioria dos portugueses é receptiva, calorosa, humana, e naquele país fiz grandes amigos de várias nacionalidades, inclusive, portugueses.

Xenofobia é um ato desumano… para todos… mas principalmente contra aquele que precisou sair de onde mora para poder alimentar suas famílias… e é inadmissível que em um país com tanta miscigenação, como o Brasil, possa existir tanta intolerância para com os imigrantes, muitos deles, inclusive, presos a máfias de traficantes de pessoas que lhe exploram laboral, física e psicologicamente (quando não, sexualmente).

Revoltante.

(*) Rodini Netto, 43, Jornalista. Foi imigrante em Portugal entre 2001 a 2006. Editor do blog Meandros da Política.