Relator do processo que rejeitou as contas da campanha de 2014 do governador Geraldo Alckmin, o juiz André Lemos Jorge integra o corpo de sete desembargadores do TRE-SP responsável por identificar ilicitudes nas campanhas de 2016 no Estado. Neste ano, pela primeira vez políticos não poderão receber doações de empresas –contarão apenas com recursos do fundo partidário e de doações de pessoa física. Em entrevista, Lemos Jorge falou sobre o aumento do caixa dois que, avalia, decorrerá da reforma e admitiu que a Justiça não tem estrutura para fiscalizar os candidatos. As informações são de Bela Megale na Folha de S. Paulo
Aumento do caixa dois
Quem está acostumado a fazer campanha com muito recurso vai ter dificuldade e provavelmente detectaremos aumento do caixa dois, isso é inegável. Até hoje, cerca de 90% das doações vinham de empresas.
Hoje o país não tem estrutura para coibir [o caixa dois], não vamos matá-lo de uma hora para outra. Mas a cada operação ilícita que conseguirmos finalizar vamos tirar um candidato que atua assim.
Fiscalização
O fim da doação empresarial dificulta a fiscalização. Os Tribunais Regionais Eleitorais têm sete desembargadores –o número pode ser suficiente em Estados pequenos, como o Rio Grande do Norte, mas não em São Paulo, onde prevemos 100 mil candidaturas em 2016. Se cada um receber um recurso de cada candidato, terá que julgar de 15 mil a 20 mil recursos num prazo curtíssimo.
Imagine uma cidade de 100 mil habitantes. Como um promotor e um juiz poderão fazer a fiscalização sozinhos? Nesse sentido veio o movimento de entidades como a OAB, que criarão subseções para receber as denúncias da população para serem encaminhadas ao Ministério Público.
Laranjal
A maioria das pessoas físicas nunca doou. Você vai ter que mudar a cultura no momento em que o país vive uma crise. Alguém vai sair de casa, com o bolso apertado, para doar para uma campanha? Ainda mais para político, que não é visto como muito confiável?
Muitos preveem que o Brasil vai virar um laranjal, com o surgimento de listas de CPFs. Vamos trabalhar de maneira muito rígida e coibir fortemente a criação de laranjas.
Caminho radical
Talvez [a proibição de doações empresariais] tenha sido um caminho muito radical nesse primeiro momento, mas sinaliza uma mudança a longo prazo. Teria sido mais cauteloso fazer a reforma gradativamente, mas o Brasil precisa de um choque cultural. Pode ser a única via de retomada do caminho democrático.
Lava Jato
Grandes doadores estão pensando no que farão. A opção hoje é a do ilícito, mas eles veem que estão presos donos de empresas e políticos. Quem não perceber que os métodos terão que ser outros será preso hoje ou daqui a dez anos.
Talvez o grande legado da operação [Lava Jato] seja a mudança do financiamento de campanha. A roda da corrupção gira a partir da eleição –é na campanha que políticos se comprometem com doadores, daí surgem superfaturamento, direcionamento de licitações… O sujeito que recebeu doação (sobretudo a de caixa dois) tem compromisso para o futuro.
Transparência
Um deputado pode receber dinheiro de um fabricante de armas e, se isso estiver na prestação de contas de campanha, saberemos que ele defende o armamento. É uma campanha mais às claras. Agora, se todas as doações empresariais estiverem no campo ilícito, o deputado vai continuar tendo o interesse, só que a população não saberá –vai ficar mais desinformada sobre em quem vota.
Uma solução seria estabelecer um teto por CNPJ ou por grupo econômico. Essa reforma foi feita porque as doações estão concentradas em um grupo de empresas. Alguns doaram centenas de milhões de reais e com isso têm muita força nas casas legislativas.
Vigilância
É o momento de convocar a população para que seja fiscal voluntário da Justiça Eleitoral. Quem tomar conhecimento de doação de qualquer empresa deve fotografar, gravar, levar o fato ao juiz. Se conseguirmos coibir o caixa dois, vamos fazer com que a lei tenha mais eficácia. Quer mudar o país? Ajude a fiscalizar o caixa dois. Vamos precisar de um exército de fiscais.
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