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Vergonha

A tragédia do Museu Nacional revela que o corte de gastos precisa respeitar prioridades

Editorial, Estadão

O incêndio ocorrido no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, na noite de domingo passado, suscitou na maioria dos brasileiros uma profunda vergonha. É ultrajante o descaso do poder público com o patrimônio histórico, cultural e científico do País. A tragédia resultante joga luzes sobre uma série de graves problemas envolvendo a administração dos recursos públicos voltados para a educação e cultura. É inadmissível o que ocorreu no Museu Nacional.

Fundado em 1818 por d. João VI, o museu é a mais antiga instituição científica do País, com um acervo de 20 milhões de itens relativos às áreas da arqueologia, etnologia e geologia, além de coleções da antiguidade, trazidas ao Brasil no século 19. O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, qualificou o incêndio de “tragédia incomensurável”. Segundo Luiz Fernando Dias Duarte, vice-diretor do museu, “é como se queimassem o Louvre ou Museu de História Natural de Londres”. Ainda não há informações precisas do que foi destruído ao longo das seis horas de incêndio, mas as perdas, obviamente, são irrecuperáveis.

O mais grave na tragédia do Museu Nacional é que o incêndio não foi uma surpresa. “O museu estava jogado, apodrecendo, incluindo a parte elétrica”, disse Walter Neves, professor da Universidade de São Paulo (USP). Em junho deste ano, quando a instituição completou 200 anos, reportagem do Estado mostrou a existência de goteiras, infiltrações e problemas das instalações elétricas.

A lamentável situação do Museu Nacional é resultado de uma série de distorções nas políticas públicas voltadas para educação e cultura. O Museu Nacional está vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e seu orçamento caiu, entre 2013 e 2018, de R$ 500 mil para menos de R$ 100 mil. Como se sabe, nos últimos 15 anos, houve uma multiplicação de despesas do Ministério da Educação, com a criação de inúmeras instituições de ensino superior em todo o País, sem um mínimo de critério acadêmico e administrativo. Uma vez que os recursos públicos não são infinitos, a criação de despesas produziu inexorável impacto sobre a manutenção de outros equipamentos públicos. Os museus, principalmente, foram atingidos por essa forma suicida de administrar.

A tragédia de domingo revela que a diminuição de gastos públicos precisa ser feita respeitando prioridades. Um corte de gastos horizontal, que trata da mesma forma todos os itens de orçamento, é disfuncional, deixando setores importantes sem investimentos e sustentando uma série de gastos inúteis ou menos importantes.

A precariedade do Museu Nacional era notória. Por exemplo, desde 2000, o museu pleiteava verbas para a construção de anexos que abrigassem as pesquisas que necessitavam da preservação de espécimes em álcool e formol, materiais inflamáveis. Desde então, só um anexo foi construído, com recursos da Petrobrás. Ao mesmo tempo, o Rio de Janeiro acompanhou na última década o surgimento de vários novos museus e entidades culturais na cidade. Não faz sentido criar novas instituições quando não há recursos disponíveis para conservar minimamente as já existentes.

A criação de novas instituições, muitas delas resultado da parceria entre poder público e iniciativa privada, também traz à tona a questão dos incentivos fiscais. O Estado tem sérias dificuldades de alocar recursos públicos para a manutenção das instituições culturais já existentes e, mesmo assim, tem aberto mão de vultosas receitas por meio de programas de incentivos fiscais de natureza cultural. No entanto, em boa parte dos casos, o que se vê é o Estado financiando eventos culturais altamente lucrativos, que não precisam de dinheiro público. Mais do que ajudarem a financiar a cultura, os incentivos fiscais têm sido um eficiente meio para que empresas façam propaganda com recursos que deveriam ser destinados a prioridades de fato públicas.

O incêndio do Museu Nacional foi vergonhoso. É preciso não fechar os olhos para suas verdadeiras causas. A história do País merece respeito.