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Uruguai discute com a população a outorga dos canais de TV. Já no Brasil…

Após firmar-se como vanguarda no debate sobre legalização das drogas e união civil do mesmo sexo, o Uruguai abre à população o debate sobre novos canais de TV. Pela primeira vez foi realizada uma audiência pública para tratar da autorização de novas outorgas de televisão aberta.

Depois de 50 anos com os mesmos operadores, a digitalização proporcionará maior diversidade na TV uruguaia. O assunto foi praticamente ignorado pela mídia brasileira, por motivos óbvios. Confira abaixo artigo do jornalista Bruno Marinoni, repórter do Observatório do Direito à Comunicação na revista Carta Capital.

O dia 31 de julho foi marcado no Uruguai pelo que, para alguns, já pode ser considerado um feito histórico. O leitor deve estar pensado que nos referimos à legalização da produção e do consumo de maconha, inegavelmente um marco na luta antiproibicionista no mundo. Trata-se, porém, de outro fato, praticamente ignorado pela mídia brasileira, por motivos óbvios.

Pela primeira vez naquele país foi realizada uma audiência pública para tratar da autorização de novas outorgas de televisão aberta. Seis propostas para explorar a chamada “TV digital terrestre” (diferenciando-se da TV por assinatura por satélite e por cabo) no Uruguai foram analisadas e discutidas de forma transparente pela sociedade. Todo e qualquer cidadão e cidadã pôde dirigir suas questões e tirar suas dúvidas junto às candidatas, num evento que foi transmitido ao vivo pela internet.

As três outorgas solicitadas pelos grupos das empresas Monte Carlo TV, Saeta TV e La Tele (Teledoce), que possuem as principais emissoras de televisão analógica e se encontram nas mãos da família Salvo, do grupo Fontaina-De Feo e da família Scheck há mais de 50 anos, foram dispensados por decreto de serem submetidos ao debate público. Embora isto demonstre a persistência da força da burguesia radiodifusora tradicional, a abertura de seis novos canais, por meio de um processo transparente e participativo pode ser uma aposta na possibilidade de diluir a força do oligopólio em benefício da diversidade necessária ao exercício democrático.

Afinal, depois de mais de meio século com os mesmos operadores de TV, a digitalização proporcionará a abertura de concorrência e maior diversidade na televisão uruguaia. Ao contrário do modelo brasileiro, que favoreceu a transmissão digital em alta definição, sem a possibilidade de abertura no espectro para novos canais, a digitalização no país vizinho será feita a partir da divisão equitativa das frequências, incluindo a reserva de um terço do espectro para o setor comunitário. Assim, de 20 canais disponíveis para a TV digital em Montevidéu, 7 serão reservados aos meios comunitários, 7 para os comerciais e 6 para a TV pública, desconcentrando a difusão de conteúdo, hoje efetuada em 75% por canais comerciais.

Entre os critérios de avaliação e escolha dos candidatos, prioridade será dada ao impacto da nova outorga para a diversidade e o pluralismo de meios. Serão considerados, por exemplo, os compromissos apresentados com a difusão da produção nacional e independente, a criação de empregos diretos e o cumprimento dos direitos trabalhistas e a acessibilidade ofertada às pessoas com deficiência. Pela primeira vez, as emissoras também deverão dar contrapartidas à exploração lucrativa de um bem público: terão que pagar pelo uso das frequências, assim como veicular campanhas educativas e de interesse público em sua programação. As propostas apresentadas também estão disponíveis para download na página da Presidência da República na internet.

O Uruguai demonstra, assim, mais uma vez, aquilo que já concluímos em artigo anterior: a América Latina dá passos em direção à democratização da comunicação, apesar da resistência das burguesias radiodifusoras nacionais e das ofensivas do capital monopolista internacional no setor.

Enquanto isso, o governo federal brasileiro segue fazendo ouvido (por que não dizer papel?) de mercador diante da reivindicação da sociedade civil por diversificação do nosso sistema de comunicação, que ao longo da sua história serviu para encher os bolsos de umas poucas dúzias de senhores que tratam das concessões, que são bens públicos, como se fossem seus feudos.

*Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação e doutor em sociologia pela UFPE.