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Uma reforma longe do povo

Uma reforma longe do povo

Em democracias que se prezam, o voto é um direito e não uma obrigação

Mary Zaidan

Ofuscada pelos escândalos que se sucedem sem pausa para respiro, a reforma política tramita em ritmo acelerado na Câmara dos Deputados, com previsão de votação até o final de maio. Lotada de esquisitices, ela vai se tornando um monstro capaz de devorar a democracia, piorando – e muito – o sistema eleitoral em vigor.

De tão desconectadas com o eleitor, algumas propostas – coisas como o Distritão, prorrogação de mandato de prefeitos e mandato tampão para juntar vereador, prefeito, deputados, governadores e presidente em uma única eleição, só para dar alguns exemplos – parecem feitas por quem tem medo do povo. Por quem não quer só a habitual distância, mas erguer uma muralha entre o eleitor e o eleito.

Com o que o PMDB apelidou de Distritão, método em que cada Estado é um distrito eleitoral e vence ali aquele que tiver mais votos, independentemente do partido, a sigla do vice-presidente da República e dos presidentes da Câmara e do Senado, consegue de uma só tacada acabar com as representações partidárias e abrir o Parlamento para todo o tipo de aventureiro, desde que ele seja popular. Um sistema de encomenda para multiplicar a presença de celebridades.

O voto distrital puro ou misto trafega tanto no PT quando na oposição, com mais força entre o PSDB e o DEM. Mas o PT insiste na votação em lista fechada, algo que confere poderes em demasia aos donos do partido. Também é um defensor ferrenho do fim do financiamento privado das campanhas eleitorais que, segundo a ordem unida petista, é o indutor maior da corrupção.

Diz isso agora, três eleições depois de arrecadar milhões de reais de empresas privadas, parte dos recursos – como a operação Lava Jato vem provando e o mensalão comprovou – dinheiro público travestido em doações legais.

Os tucanos não ficam atrás nas maluquices. Depois de criar e fazer aprovar, em 1997, a reeleição, quer acabar com ela.

Coube a Aécio Neves, que se beneficiou da reeleição ao governar Minas Gerais por dois mandatos consecutivos, atacá-la. E com argumentos meramente conjunturais. “Se alguém tinha alguma dúvida sobre o efeito nefasto da reeleição, essa última eleição presidencial mostrou que ela não pode continuar. A atual presidente da República desmoralizou o instituto da reeleição.”

Se assim fosse, o que dizer de Geraldo Alckmin, que também acabou de ser reeleito? Mais: na contramão do dito “quanto mais eleição melhor”, é do PSDB a ideia de juntar todos os pleitos em uma única eleição.

Nada, absolutamente nada disso corrobora para aprimorar o sistema político, nem mesmo o eleitoral.

Autor da PEC 586 de 2006, primeira a propor o voto distrital, o ex-deputado Arnaldo Madeira, pregador incansável do modelo, inicia suas palestras sobre o tema com uma pergunta singela: “Para que serve uma reforma política?” E responde: “Para aproximar o eleitor do eleito, criar elos entre representados e representantes.”

Isso se alcança com o voto distrital, que em suas regras embute a possibilidade de “deseleger”.

Restaria ainda a tarefa de banir algumas anomalias. Impedir que partidos políticos se proliferem como ratos, acabar com o senador suplente que exerce mandato sem receber um voto sequer e com as coligações para eleições proporcionais, matéria já aprovada no Senado. Mas se o Parlamento quiser buscar alguma sintonia com as ruas, teria de aprovar o voto facultativo. Aí sim, ele daria crédito ao povo. Em democracias que se prezam, o voto é um direito e não uma obrigação.