É inegável que o Brasil contabilizou expressivos ganhos macro e microeconômicos nos tempos recentes. Esse fenômeno resulta da colheita de ativos cujas sementes foram espalhadas desde a segunda metade da década de 1980, com destaque para a redemocratização, a flexibilização dos monopólios, a regulamentação das concessões dos serviços públicos, a liberalização comercial e financeira, a desregulamentação dos mercados e as privatizações.
Igualmente relevantes foram o fim da hiperinflação, a instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal, o fortalecimento do mercado interno, a aplicação dos programas públicos de transferência de renda (gestados na Constituição de 1988), a recomposição do poder aquisitivo do salário mínimo, a diminuição da desigualdade social, o surgimento de uma nova classe média e a proliferação do crédito em consignação.
Contudo, a grande inquietação que domina os atores sociais, nos dias de hoje, diz respeito ao que deve ser feito para garantir essas conquistas e evitar que as fases de recuperação do crescimento não repitam os “voos de galinha”, considerando as restrições à alta longevidade dos modelos de expansão calcados em elevado consumo doméstico, déficit externo e reduzidos níveis de poupança interna.
A saída não é tão complexa e repousa na capacidade de reconhecimento e enfrentamento de alguns desafios, expressos, de forma concatenada, na melhoria do ambiente de negócios, na promoção das mudanças microeconômicas (tributária, fiscal, previdenciária, administrativa, trabalhista) e na elevação da taxa de investimento, sobretudo em infraestrutura.
Para tanto, é crucial a redução do custo do capital no Brasil, por meio de uma abrangente reforma financeira que promova maior competição entre os bancos e diminuição estrutural dos juros. Em igual sentido, soa essencial um rearranjo criterioso das despesas públicas, dado que a armadilha dos juros altos mantém o governo – que anda bastante inchado e pouco eficiente – refém do mercado financeiro.
É também imprescindível a recuperação do dinamismo exportador do país, especialmente em manufaturas. A anomalia dos juros oportuniza a valorização do câmbio e, por extensão, o barateamento das importações e o encarecimento das exportações. Por tais motivos, urge a criação de espaços de manobra não inflacionários para a depreciação do real, de forma menos dependente dos humores da economia mundial ou do comportamento da moeda referência das trocas e das finanças, o dólar.
O câmbio ruim inviabiliza a implementação de programas de substituição de importações e a inserção externa das empresas brasileiras, já bastante prejudicadas pelo desarranjo dos componentes de competitividade sistêmica do país, ocasionado por excessiva burocracia, precariedade infraestrutural, ausência de ampla retaguarda em ciência e tecnologia (o Brasil investe pouco mais de 1% do PIB neste campo, contra 3% a 4% em outras nações emergentes) e elevada carga tributária – aliás, é necessário reduzir o fardo e simplificar o sistema tributário brasileiro, essencialmente regressivo e com enorme participação de impostos indiretos; ao penalizar a base, com renda estreita e destinada ao consumo, o sistema deprime os orçamentos da população menos aquinhoada e minimiza a participação da renda e do patrimônio.
Gilmar Mendes Lourenço é economista, presidente do Ipardes e professor da FAE.
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