É evidente que, pelo menos em um primeiro momento, o Brasil não vai escapar de um cardápio indigesto
O Brasil vive uma situação difícil. Sob a ótica do cidadão comum, estando no quarto ano consecutivo de redução da renda per capita, com desemprego em 13% da força de trabalho e com vários serviços públicos se deteriorando a olho nu — quem vive no Rio de Janeiro assiste a isso em escala dramática —, a sua percepção de que está tendo que “apertar o cinto” e que, em função dos sacrifícios, “sobra mês quando o salário acaba”, é mais do que justificada: é algo que ele vivencia de forma concreta no dia a dia.
Ao mesmo tempo, quando se olha para a macroeconomia do país, os sinais de desajuste fiscal, em que pese a luta da equipe econômica, são ainda flagrantes e de uma evidência cristalina. Três dados saltam aos olhos:
1) nos 12 meses encerrados em julho, o resultado primário — ao qual se chega retirando os juros da despesa e comparando os demais gastos com a receita — do setor público consolidado foi deficitário em torno de 3% do PIB, o que, somado à despesa de juros da ordem de 7% do PIB, gerou um déficit público na faixa de 9% a 10% do PIB, algo para deixar qualquer governante responsável de cabelo em pé, por ser um indicador de desarranjo fiscal de uma intensidade que poucos países apresentam hoje no mundo;
2) a dívida bruta do governo, que ainda no fim de 2013 era de 52% do PIB, não para de crescer desde então, aumentará este ano como proporção do PIB pelo quarto ano consecutivo e já se encontra em 74% do PIB;
3) em parte, na raiz desse processo encontra-se um sistema previdenciário com regras incrivelmente generosas de aposentadoria, que fez que a despesa do INSS, que fora de 2,5% do PIB em 1988, alcançasse em perspectiva 8,5% do PIB este ano, sem que o país tenha se dignado nestes quase 30 anos a fazer uma reforma previdenciária abrangente e incisiva, limitando-se a aprovar minirreformas que, na prática, não passaram de remendos que não evitaram a explosão das despesas previdenciárias.
As eleições presidenciais de 2018 criarão então uma situação delicada. Por um lado, a irritação crescente — e, diga-se de passagem, inteiramente compreensível — da enorme maioria da população com as pioras sucessivas do seu nível de bem-estar, criará uma demanda por soluções mágicas e estimulará uma oferta de propostas eleitorais generosas. Estas, provavelmente serão, em muitos casos, baseadas no populismo mais gritante. Vendedores de ilusões serão figurinhas comuns nos programas eleitorais de TV no segundo semestre do próximo ano.
Por outro lado, quando se pensa friamente no panorama que o presidente a ser eleito encontrará ao assumir o comando do país em janeiro de 2019, é evidente para qualquer um que avaliar o quadro existente com um mínimo de sensatez que, pelo menos em um primeiro momento, o Brasil não escapará de um cardápio indigesto.
Este terá que envolver um conjunto de medidas duras, capazes de fazer o país reingressar nos trilhos do equilíbrio macroeconômico de onde saiu, com grande estardalhaço, na primeira metade da década. Nesse sentido, é muito importante que, para além do calor da disputa eleitoral, as pessoas percebam que, daqui a pouco mais de um ano — e sob pena de, em caso de não fazê-lo, passarmos por um período de grande turbulência financeira — o Brasil terá que adotar uma espécie de “programa mínimo” para poder enfrentar a crise e que terá que incluir os seguintes elementos:
— um plano severo de ajuste fiscal, que dê continuidade aos esforços de redução do déficit público que, ainda que com resultados tímidos, vêm sendo perseguidos pela equipe do ministro Meirelles;
— um aumento de impostos, sem o qual será muito difícil aspirar a que a dívida pública reverta a sua trajetória de aumento como proporção do PIB em algum momento do próximo governo;
— uma reforma da Previdência, muito provavelmente mais ambiciosa do que a tentada, até agora sem sucesso, no ano em curso e que terá que compensar o tempo perdido em debates sem qualquer consequência, enquanto a conta da despesa do INSS se agravava; e
— um agressivo programa de concessões, envolvendo inclusive, no âmbito estadual, algumas “vacas sagradas” que tradicionalmente os defensores do intervencionismo governamental se negavam terminantemente a conceder à iniciativa privada, como nos casos de gás e saneamento.
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