Toda vez que São Paulo faz aniversário, o Brasil inteiro deveria comemorar. Dínamo econômico e cultural, maior metrópole da América do Sul, encontro de muitas etnias, essa cidade é superlativa nas muitas contribuição que dá ao país. Contudo o que se vê é uma apologia da tragédia. Em vez da celebração, veste-se um manto de masoquismo: São Paulo não tem jeito; é grande demais; suja demais, violenta demais; caótica demais.
Parece que o paulistano se compraz em dizer que lá nada dá certo. E se uma voz dissonante se aventura a afirmar que há solução, é tratada com desconfiança ou até repúdio. Não se trata de minimizar os problemas ou ignorar a realidade e, sim, de mudar de perspectiva, pois quem projeta a tragédia acaba por encontrá-la.
O que São Paulo demonstra é a potencialização dos dilemas das cidades brasileiras nas questões fundamentais à sua qualidade de vida – mobilidade, sustentabilidade, identidade, diversidade, coexistência-, em sintomas exacerbados de poluição, congestionamentos, insegurança, isolamento.
A vida de uma cidade não pode se dar dentro de carros, shoppings e condomínios fechados, convivendo com rios que tornam patentes deficits em saneamento ambiental, ou com a segregação de guetos de ricos e de pobres. A separação de funções e os muros dos condomínios retiraram de São Paulo a sua maior riqueza: sua diversidade.
A cidade tem que ser o cenário do encontro que se celebra em seus espaços públicos. Tem que ser uma estrutura integrada de vida, trabalho e mobilidade, onde uma estrutura de crescimento, guiada pelo transporte coletivo, molda o seu desenho.
Tem que cultivar sua identidade, a partir da preservação de sua história e memória, da valorização da diversidade e do cultivo da coexistência. Tem que proteger seus recursos ambientais, patrimônio desta e das futuras gerações.
E São Paulo pode tudo isso. Ambiciosa que é, com esforços bem canalizados, será capaz de promover transformações positivas ao deixar de pensar a cidade para o automóvel e investir com sabedoria no transporte público; ao trazer o jovem para habitar o centro; ao melhor equilibrar a oferta de emprego no território; ao cuidar para que as leis de uso do solo não contribuam para construir uma paisagem urbana ruim.
O preço de não agir é alto. A condição de vanguarda a qual São Paulo ambiciona pode ser dilapidada pelas perdas em qualidade de vida, ativo fundamental de uma cidade hoje.
É preciso fazer, e o país todo hoje sofre de uma paralisia aguda em avançar obras de infraestrutura.
Com o intuito de evitar a corrupção ou danos ao patrimônio socioambiental, criou-se uma burocracia tão aprisionante que, além de não coibi-los, transformou a execução de qualquer projeto em uma corrida de obstáculos, na qual a viabilização de uma solução é travada até o limite da desistência.
Pior, em um cenário onde os recursos existem. É uma perniciosa estrutura de desconfiança que inibe a ação.
Essa estrutura de desconfiança cria o medo de decidir: ora o Ministério Público, ora as organizações sociais, ora as inúmeras instâncias colocam aos que decidem e querem fazer o pavor de um processo no qual se é antecipadamente culpado; e aos que querem procrastinar ou vender facilidades, as desculpas e motivações para nada fazer.
Simplificar esse procedimento é fundamental, e o fato repousa na responsabilidade. Mas tem que ser possível assumi-la. É uma metáfora comum no futebol dizer que um jogador de talento “chamou pra si” a responsabilidade em um momento decisivo. Por que não podemos fazer isso pelas nossas cidades?
Está na hora de celebrar o aniversário de São Paulo com um brinde de autoestima. Ao metaforicamente apagar suas 459 velas, pedir pela graça de acreditar que as soluções são possíveis.
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