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Ulysses, o Senhor Diretas Já

de Rosana Félix, na Gazeta do Povo

Além do feriado de Nossa Senhora Aparecida e do Dia da Criança, comemorados ontem, o dia 12 de outubro de 2012 marcou os 20 anos da morte de Ulysses Guimarães, ex-deputado federal e importante figura política do Brasil. Para os jovens, que não tiveram tempo de conhecer sua trajetória, saibam que ele foi um dos grandes articuladores da redemocratização no Brasil, tanto que ficou conhecido como o Senhor Diretas, em referência ao movimento pedindo o retorno das eleições diretas para a Presidência da República.

Os políticos, por sua vez, deveriam lembrar com mais frequência de Ulysses Guimarães, exemplo de homem público bem articulado nos corredores do poder, com grande sensibilidade para as desigualdades sociais. Se os governantes se aproveitassem dos ensinamentos do grande líder do PMDB, com certeza teriam mais respeito e apoio da população.

Ulysses, formado em Direito, foi deputado federal eleito em São Paulo por 11 mandatos consecutivos, de 1951 a 1995. Inicialmente apoiou o golpe militar de 1964, mas logo migrou para a oposição e ajudou a fundar o Movimento Democrático Brasileiro, (MDB), do qual foi presidente de 1970, posto em que se manteve no PMDB, lançado em 1980.

Não teve medo de enfrentar frente a frente os generais. Elio Gaspari, no livro A Ditadura Derrotada, resumiu o grande feito de Ulysses. Em 1974 ele encabeçou a chapa para “disputar” a presidência da República – não havia a menor chance de vencer, pois a Arena tinha mais de dois terços do Colégio Eleitoral. Por isso ele se autodenominou de “anticandidato”. Queria concorrer apenas para denunciar o sistema ditatorial.

“Não é o candidato que vai percorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa.” Essa é apenas uma parte do discurso feito por Ulysses para lançamento de sua candidatura. Os jornais o publicaram na íntegra, “o que não era pouca coisa”, segundo Gaspari.

Apesar de toda a movimentação popular pelas Diretas, o Congresso não aprovou a eleição direta. A oposição ao regime militar decidiu lançar o nome de Tancredo Neves à Presidência – ele já havia sido senador e havia sido eleito governador de Minas Gerais em 1983. Tancredo venceu a disputa no colégio eleitoral, mas morreu e passou o cargo a José Sarney, que estava no PFL e que depois migrou para o PMDB.

A mudança de sigla parece ter sido fatal a Ulysses. Ele se candidatou à presidência em 1989, mas recebeu tão somente 4,4% dos votos, e terminou a disputa em sétimo lugar. Sua fama de parlamentar não conseguiu fazer frente à rejeição ao partido, desgastado com os naufrágios dos planos econômicos lançados por Sarney. O baque quase o impediu de voltar à Câmara Federal em 1990. Foi eleito, mas com um décimo dos votos que havia obtido em 1986. Com desempenho tão fraco, em março de 1991 foi substituído por Orestes Quércia na presidência do PMDB.

Mas o protagonismo de Ulysses não demorou a reaparecer. Ele foi procurado pelo então presidente Fernando Collor, que começou a ser alvo de uma série de denúncias. Novamente, de início, Ulysses não optou pela ruptura. Temia os efeitos que o impeachment do primeiro presidente eleito provocaria na democracia brasileira, há tão pouco renascida. Mas, com o agravamento das acusações de corrupção e desvios, Ulysses se afastou de Collor e passou a ser um dos grandes articuladores da CPI de PC Farias, em 1992.

O caçador de marajás não o perdoou. “Doutor Ulysses está esclerosado, senil, decrépito, vetusto, fica pregando a insubordinação do Congresso contra a lei e o Supremo”, declarou o presidente em um jantar para aliados. Ulysses, homem culto e fino, respondeu apenas: “Velho sim, velhaco não”.

A grandeza de Ulysses Guimarães estava justamente nas articulações e na leitura que fazia da política. Teceu dezenas de frases de efeito e sintetizou grandes ensinamentos, que continuam válidos até hoje.

Preocupava-se muito com as injustiças sociais. “Desenvolvimento sem liberdade e justiça social não tem esse nome. É crescimento ou inchação, é empilhamento de coisas e valores, é estocagem de serviços, utilidades e dívidas, estranha ao homem e seus problemas, é inacessível tesouro no fundo do mar, inatingível pelas reivindicações populares.”

Se os políticos de agora tivessem que aprender apenas alguma coisa com o doutor Ulysses, poderiam gravar a seguinte frase: “Não se pode fazer política com o fígado, conservando o rancor e ressentimentos na geladeira. A pátria não é capanga de idiossincrasias pessoais. É indecoroso fazer política uterina, em benefícios de filhos, irmãos e cunhados. O bom político costuma ser mau parente.”

Ulysses Guimarães morreu em 12 de outubro de 1992, quando o helicóptero em que viajava de Angra dos Reis para São Paulo caiu em alto-mar. O corpo nunca foi encontrado, mas o que é mais triste é que sua sabedoria parece não ter sobrevivido ao jogo sujo da política brasileira.