Cíntia Junges
Gazeta do Povo
Faz pouco mais de um mês que a consultora Michelle Thomé, de 38 anos, deixou o cargo de gerente de comunicação em uma multinacional para se dedicar a um projeto pessoal. Desde então sua rotina desacelerou, mas ela ainda não conseguiu se livrar de um hábito adquirido no mercado corporativo: todos os dias, ao acordar e antes de dormir, ela passa cerca de 30 minutos lendo e respondendo e-mails.
Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) feito com 3.769 pessoas mostra que, assim como Michelle, quase metade dos entrevistados (45,4%) têm dificuldades para se desligar totalmente do trabalho após o fim da jornada diária. E cerca de 40% sentem que o seu tempo livre encurtou, especialmente por causa do excesso de tarefas e da necessidade de levar atividades para casa.
Curiosamente, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, mostram que a permanência no ambiente de trabalho diminuiu nos últimos anos, principalmente por causa da limitação da jornada legal. Ou seja, embora a jornada “oficial” esteja mais curta, estamos cada vez mais envolvidos e conectados ao trabalho.
De 1992 para 2009, o porcentual de pessoas que trabalham mais de 45 horas por semana caiu dez pontos percentuais, mas as exigências e o acumulo de funções cresceram. Quase 42% dos profissionais admitem ser responsáveis por atividades que antes eram exercidas por mais de uma pessoa e 47% afirmam que são cobrados para fazer essas tarefas com grande velocidade. Além disso, mais da metade dos entrevistados considera alta a exigência para se comunicar bem – escrita e oralmente – e atender bem aos clientes e fornecedores.
Não é à toa que 40% das pessoas acham que o tempo dedicado ao trabalho compromete a sua qualidade de vida, na medida em que gera cansaço e estresse (13,8%) e afeta as relações amorosas e familiares (9,8%). Na prática, a dedicação ao trabalho além da jornada estabelecida faz com que 70% das pessoas não consigam manter outros compromissos regulares, como atividades educacionais, esportivas ou até mesmo outro emprego remunerado.
A disseminação de smartphones, tablets e computadores portáteis parece dificultar a separação entre trabalho e vida pessoal. “A hiperconectividade trouxe a empresa e o trabalho para dentro da casa das pessoas, e vice-versa”, avalia a psicóloga Rita Passos, da Associação Brasileira de Qualidade de Vida.
As empresas estão mais enxutas, competitivas e exigentes, e os profissionais são muito mais demandados. Por outro lado, existem dezenas de pequenas distrações que nos fazem perder o foco no trabalho e minam a nossa produtividade. “Passamos 20% do nosso tempo fazendo atividades realmente importantes, e os outros 80% gastamos em coisas bem menos relevantes. Em algum momento o tempo mal aproveitado no trabalho vai fazer falta”, alerta a psicóloga.
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