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Temos que retomar o trabalho decente, diz presidente da CUT-PR

O presidente da CUT-PR, Márcio Kieller, reitera nesta entrevista que a organização dos trabalhadores é fundamental para retomar os avanços da CLT ceifados pela reforma trabalhista de Temer. Kieller fala ainda da situação de trabalho análogo à escravidão, da redução dos salários com a pandemia, das péssimas condições dos trabalhadores de aplicativos, da baixa média salarial do trabalhador paranaense e da luta pela retomada do trabalho decente no país.

“A reforma (trabalhista) tirou 200 itens da CLT, todos em desfavor do trabalhador”. “O Paraná tem em média R$ 5,05 mil de salário para quem tem nível superior. Com o superior incompleto, essa média cai para R$ 2,5 mil e com o ensino médio a média é de R$ 1,9 mil”, diz na entrevista. O salário médio do trabalhador no país, segundo o IBGE, é de R$ 2.787.

“Para se ter uma ideia, a Superintendência Regional do Trabalho do Paraná conta com apenas 93 fiscais do trabalho, desmotivados, sem reajuste salarial há um tempo e para um serviço em todo o estado.Esses fatores contribuem muito para que possa, sim, existir situações de trabalhos análogos à escravidão”.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

A reforma trabalhista de Temer contribui com a precarização das condições de trabalho no País?
É o início dos problemas que já existiam mais pontualmente, mas que se agravaram do ponto de vista dos trabalhos análogos à escravidão. Eles têm origem nessa precarização total que passa a acontecer a partir da reforma trabalhista. A reforma tirou 200 itens da CLT, todos em desfavor do trabalhador.

E Temer, assim que ilegitimamente assumiu o poder, começou abrir o caminho para setores do empresariado poderem exercer a sua  ganância em cima dos trabalhadores e trabalhadoras. E para que isso acontecesse era preciso desmontar a fiscalização sobre as condições de trabalho, o que aconteceu no governo do Bolsonaro no Ministério do Trabalho e com os ataques à Justiça do Trabalho.

É por isso que a origem de toda a precarização tem suas primeiras iniciativas a partir primeiro do processo de terceirização. Muitas vezes, o lucro sem medidas fala mais alto. É o que acontece ao precarizar o trabalho, diminuir o número de trabalhadores, aumentar carga horária e muitas vezes levando a essa situação de trabalhos análogos à escravidão. Com certeza a reforma trabalhista veio para isso.

Qual é a média salarial atual do trabalhador paranaense?
Nós temos duas formas de medir a média salarial dos trabalhadores paranaenses. O trabalho do servidor público, por exemplo, está há muitos anos sem aumento e os governos aumentam ainda a contribuição previdenciária, mexem com as aposentadorias e assim por diante. Por isso que temos uma defasagem muito grande que precisa ser corrigida no serviço público.

No serviço privado, levando em consideração as diferenças de escolaridade, o Paraná tem em média R$ 5,05 mil de salário para quem tem nível superior. Com o superior incompleto, essa média cai para R$ 2,5 mil e com o ensino médio a média é de R$ 1,9 mil.

Os trabalhadores sem escolaridade acabam recebendo, por vezes, o salário mínimo nacional da parte das empresas que não são das entidades patronais que contribuem com a construção do piso regional do Paraná, um dos maiores do país – uma conquista de dez anos no Conselho Estadual do Trabalho,.

A CUT tem um panorama da situação no Paraná?
Acompanhamos diversos setores de atividade laboral e muitos deles têm uma organização forte e representativa, através de federações e sindicatos. Outros acabam sendo influenciados pelos benefícios e salários através de políticas públicas. E outros através de políticas de governo, tanto do governo estadual como do governo federal, como são os trabalhadores da agricultura e os pequenos trabalhadores rurais. Esse panorama nos dá uma ideia de que a maioria das categorias organizadas consegue manter uma média salarial, consegue manter o aumento salarial.

Porém, a precarização do trabalho é visível em todos os lugares. Principalmente por causa da automação, do desmonte, e da ganância. Como eu disse, o empresariado quer ter cada vez mais lucros. A lógica do empresariado quando automatiza uma empresa não é diminuir carga horária. A hora desses funcionários não é remanejada para outros turnos para que a automação seja uma coisa benéfica para os trabalhadores.

Pelo contrário, quando automatiza, quando terceiriza, procura acabar, enxugar quadro e diminuir salários para poder lucrar mais. E a terceirização pode parecer até melhor, mas não é porque muitas vezes as empresas terceirizadas não dão conta de todos os benefícios que as trabalhadoras e trabalhadores teriam se tivessem com carteira assinada: descanso semanal remunerado, férias, décimo terceiro. Muitas vezes o trabalhador terceirizado não está dentro da CLT. É contratado como PJ, como pessoa jurídica e não tem direitos básicos que eram garantidos na CLT.

A reforma trabalhista tirou um monte de benefícios e facilitou a organização da terceirização. Nós do Paraná, fizemos diversas denúncias. Algumas categorias organizadas não fazem esse enfrentamento, não combatem a terceirização e não enfrentam a política de desmonte do trabalho que acontece através da precarização dos empregos.

A pandemia contribui para a redução dos salários dos trabalhadores?
Sem dúvida. Foi muito prejudicial para a classe trabalhadora. Em alguns lugares, em alguns ramos de atividade, houve o achatamento salarial que precisa ser corrigido. Muitas categorias estão correndo atrás com o alento da eleição que o governo do presidente Lula traz sobre a ética do trabalho.

São questões importantes. Como exemplo, posso citar a regulamentação das trabalhadoras e trabalhadores em aplicativos que são dos trabalhos mais precarizados porque não tem auxílio nenhum, não tem benefício, não tem regulamentação. A pandemia trouxe um quadro grave para a classe trabalhadora, que enfrenta uma série de sacrifícios enquantos os bancos e os rentistas lucram bilhões e têm recursos para não quebrarem e enquanto a classe trabalhadora teve que lutar muito através das centrais sindicais e dos parlamentares progressistas para ter um auxílio emergencial que fosse no mínimo condizente com as necessidades.

Não chegamos nem perto. Seiscentos reais não atendiam às necessidades dos trabalhadores. E o desgoverno Bolsonaro ainda não queria dar os R$ 600.  Queria dar somente R$ 200. Quando o governo federal defendia a proposta que tinha apresentado de R$ 200, depois mudou para R$ 500 e R$ 600. A  mudança desse valor é fruto de organização e luta das centrais e pressão sobre o Congresso Nacional.

No mais, tivemos um processo muito grande da classe trabalhadora, de solidariedade sindical, sindicatos se transformando em grandes acolhedores de gêneros de primeira necessidade, material sanitário para combater a covid. Espero que esse período não se repita nunca mais porque a ganância do capital imperou mais uma vez.  Não queriam criar condições objetivas para que os trabalhadores e as trabalhadoras se protegessem do vírus. Tivemos muitos problemas nos frigoríficos, nos setores de logística, de distribuição de alimentos, da agricultura familiar. Tivemos problemas enormes durante a pandemia e quem mais sofreu com esses problemas foram as trabalhadoras e trabalhadores.

É possível dizer que o Paraná pode ter trabalho escravo ou situações analogas escravidão?
Eu acredito que com grande desmonte que sofremos no Ministério do Trabalho, que sofremos do ponto de vista da retirada de direitos, da facilidade em assim se acabar com a fiscalização. Hoje, você não fiscaliza mais os setores indígenas, não fiscaliza mais as grandes propriedades no campo e as grandes empresas.

Para se ter uma ideia, a Superintendência Regional do Trabalho do Paraná conta com apenas 93 fiscais do trabalho, desmotivados, sem reajuste salarial há um tempo e para um serviço em todo o estado.Esses fatores contribuem muito para que possa, sim, existir situações de trabalhos análogos à escravidão.

Precisamos trabalhar para voltar a ter uma estrutura no mínimo adequada de fiscalização, de concurso público para fiscais e  fazer com que o trabalho volte a ser trabalho decente, que as pessoas tenham dignidade e se sintam bem ao ir trabalhar e não tenham que se submeter a essas situações análogas à escravidão
Em tempo: A mais recente lista do Ministério do Trabalho divulgada agora em abril, o Paraná conta com 12 empregadores na lista com 24 funcionários encontrados em situações análogas à escravidão.

Na primeira década dos anos 2000, foi a década do pleno emprego, mas com baixos salários. Como voltar ao pleno emprego com salários mais equilibrados?
Nos primeiros anos da década de 2000, tivemos um índice de carteira assinada muito bom. Nos últimos anos, para enfrentar o desemprego, se apostou no emprego informal e no emprego sem direitos. Com o governo Temer implementando a reforma trabalhista, retirando direitos das trabalhadoras e trabalhadores, o impacto foi direto nos salários. Hoje, é preciso ter campanhas rigorosas em defesa de uma política de reajuste real para o salário mínimo para voltar a ter a valorização do salário das trabalhadoras e trabalhadores.

Eu acredito que o governo Lula tem essa predisposição, mas o governo Lula não vai poder fazer tudo sozinho. Nós, trabalhadoras e trabalhadores, organizados procurando os sindicatos, procurando fortalecer um ganho real nos salários. É com a nossa organização que vamos dar conta de correr atrás dos direitos perdidos, de reaver nossos benefícios e fazer uma mudança nas reformas que aconteceram, tanto na reforma trabalhista como na reforma da previdência. Não podemos perder esses objetivos de vista. Só assim poderemos buscar empregos decentes com remunerações equilibradas

Como está a organização dos trabalhadores pelos sindicatos e centrais sindicais no Paraná?
Hoje o Paraná tem sete centrais sindicais que representam o conjunto das federações e sindicatos no estado. Com relação às demais centrais, eu não posso entrar em detalhes, mas com relação a CUT, hoje representamos seis das sete grandes federações de trabalhadoras e trabalhadores de diversos ramos de atividade, da saúde, do setor público, dos transportes, da construção civil, da construção pesada, do setor de petróleo da educação, da educação superior e dos bancários. Temos uma grande organização, a CUT hoje representa 182  sindicatos de 14 ramos de atividade com uma base de 600 mil trabalhadoras e trabalhadores e com 350 mil filiados.

Isso é fundamental para ter uma presença e fazer uma luta cotidiana, um diagnóstico da situação dos ramos de atividade. Por isso, reforçamos aos nossos sindicatos que é preciso ter sindicatos fortes e representativos. Assim, vamos fortalecer a luta por direitos, a luta por salários, a luta por melhores condições de vida da classe trabalhadora.

Aliada a valorização dos salários dos trabalhadores, quais as pautas que a CUT defende junto ao governo Lula?
Temos uma pauta extensa que vai da questão do trabalho decente e mais 63 três itens como a revisão de alguns pontos que foram retirados da CLT. Por isso, defendemos junto ao governo Lula, o fortalecimento dos sindicatos, o fortalecimento de uma pauta que atenda as necessidades das trabalhadoras e trabalhadores. E essas demandas expressas na plataforma da CUT e também na plataforma da classe trabalhadora da Conclat apresentada e construída por todas as centrais sindicais e também apresentada ao presidente Lula e aos candidatos do campo progressista que estavam no jogo eleitoral.

Não adiantava apresentar uma plataforma com essas pautas para um desgoverno que aniquilou empregos, que desmontou a estrutura das escolas, que desmontou a estrutura do estado, como foi o desgoverno Bolsonaro. Agora, como eu disse, não adianta nada você apresentar um documento se você não tiver organizado para exigir que as demandas que estão nesse documento sejam realizadas. E nós estamos na lógica e na atuação do que o governo Lula disse. Ele precisa ser cobrado, cobrado para que ele possa fazer, fazer, fazer. E vai ser o papel do movimento sindical organizado, fortalecendo as suas entidades, voltando a debater sobre uma organização do movimento sindical mais forte é que vamos poder fazer essa cobrança e essas demandas.