Na falta do cafezinho presencial, são nos grupos virtuais que funcionários do IBGE dividem a preocupação com a sucessão no órgão. “O medo é de que possa ficar pior”, disseram servidores à Sputnik Brasil.
Na última sexta-feira (26), a presidente da entidade, Susana Cordeiro Guerra, pediu demissão do cargo. Ela alegou motivos pessoais, mas a decisão surgiu após o Congresso aprovar a Lei Orçamentária Anual com drásticos cortes para a realização do Censo Demográfico, que seria realizado em 2020, mas foi adiado em função da pandemia do coronavírus.
“Essa saída dá medo, pois pode ficar muito pior, pode ocorrer a indicação de um militar, por exemplo, ou até mesmo de um terraplanista para comandar um instituto de geografia”, disse à Sputnik Brasil um estatístico que trabalha no órgão.
Inicialmente, a previsão de gastos do censo, que baliza a realização de políticas públicas, sociais e sanitárias no país, era de R$ 3,4 bilhões. Ex-funcionária do Banco Mundial, de perfil liberal e com bom trânsito na família de Paulo Guedes, a economista Susana Guerra foi escolhida para comandar o cargo pelo ministro da Economia com a missão de enxugar o orçamento do censo.
Após cortes, o valor para realizar o estudo populacional foi estipulado em R$ 2 bilhões, quantia considerada pequena por muitos especialistas para um trabalho tão grande. O relator do Orçamento no Congresso, senador Marcio Bittar (MDB-AC), entregou texto final com valor ainda menor, de R$ 1,7 bilhão.
Ao final, o Orçamento para 2021 foi aprovado com um corte ainda mais profundo, e restaram apenas R$ 71 milhões para a realização do censo, o que o torna inexequível.
Funcionário de carreira
A coordenadora do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE/Núcleo da Avenida Chile, Luanda Botelho, salienta que a presidência do IBGE geralmente é ocupada por funcionários de carreira da entidade.
Dos últimos presidentes, são egressos do órgão Eduardo Pereira Nunes, Wasmália Bivar e Roberto Olinto. Exceção são Paulo Rabello de Castro e, agora, Susana Guerra, que permanece no cargo até o governo indicar um sucessor.
“O nosso desejo, é óbvio, é que seja um quadro de carreira, com experiência de censo demográfico. Não só experiência como usuário, mas na sua realização. De toda a forma, é difícil saber o que o governo está pensando, considerando a falta de diálogo e de transparência dos últimos acontecimentos. Não houve garantia de que existirá compromisso para a realização do censo no ano que vem”, afirmou à Sputnik Brasil.
Nome técnico
Em carta aberta, o Instituto Brasileiro de Pesquisas Populacionais (IBPE) pediu um nome técnico para presidir o IBGE e expressou preocupação com a sucessão na entidade.
“No momento em que a presidente do IBGE solicita sua exoneração, é fundamental que o cargo seja ocupado por pessoa com conhecimento sobre os temas de alta complexidade que são as funções do IBGE e que seja capaz de articular o vasto conhecimento acumulado pelo pessoal técnico altamente capacitado da instituição. Não seria aceitável que, nesse momento crítico, a presidência do IBGE fosse relegada a alguém que não tenha o conhecimento necessário para conduzir as atividades essenciais realizadas pela instituição, com destaque para o próprio Censo Demográfico”, afirmou a ABPE.
Falta de diálogo
Luanda Botelho também reclama da falta de diálogo da presidência do órgão com o sindicato e o corpo técnico do IBGE.
“Nesses dois anos que ela completou de IBGE, não houve nenhuma reunião com representantes do sindicato. Isso não tem precedentes. Nenhuma outra direção se recusou a se reunir com o sindicato”, criticou Luanda, acrescentando que a presidência “nem respondia a ofícios pedindo detalhamento sobre equipamentos de segurança”.
O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o economista Carlos Von Doellinger, avalista da indicação de Susana Cordeiro para o IBGE, disse em entrevista ao jornal Valor que a tendência é de que a nova presidência seja ocupada por um funcionário de carreira, provavelmente um diretor.
Especulação
Entre os servidores, há muita especulação sobre quem pode assumir a vaga, mas nenhuma indicação clara do que pode ocorrer. Alguns funcionários ressaltam, inclusive, que após muitos diretores deixarem seus cargos nos últimos anos, devido a conflitos sobre a condução do censo e seu enxugamento, houve dificuldade em preencher as vagas novamente.
“Muita gente não queria entrar naquelas circunstâncias, com uma presidente de fora, que veio para precarizar o censo. Isso poderia se repetir agora, ter uma resistência dos quadros internos”, disse geógrafo à Sputnik Brasil. “Mas a maior preocupação que os funcionários têm expressado é de entrar alguém pior do que ela. Entrar um lunático, alguém da ala ideológica do governo ou algo do tipo”, acrescentou.
As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik
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