por André Gonçalves, na Gazeta do Povo
De arrepiar a história de que a rede de internet do Palácio do Planalto foi usada para inserir críticas nos perfis dos jornalistas Carlos Alberto Sardenberg e Míriam Leitão na Wikipédia.
É o fundo do poço de uma guerra sem noção que parecia só coisa de blogueiro. Um governista ferrenho atacar a “imprensa golpista” de casa é uma coisa, fazer isso de dentro do coração do Poder Executivo é outra bem diferente.
Até os alvos são surpreendentes. Em junho, o vice-presidente do PT e coordenador do partido nas redes sociais, Alberto Cantalice, escreveu um artigo com uma lista dos “pitbulls da mídia”.
Constavam da relação nomes como Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli, Reinaldo Azevedo e até humoristas como Danilo Gentili e Marcelo Madureira; definidos como “propagadores do ódio”.
Míriam e Sardenberg não foram citados. Aliás, é muita forçação identificá-los como inimigos do governo ou do PT.
Criticar, para um jornalista que preste (e é o caso de ambos), não é se colocar de um lado da trincheira, é fazer o seu trabalho.
E como já disse Millôr Fernandes: “jornalismo é oposição, o resto é secos e molhados”.
Em tempos da pulverização de ideias no Facebook e Twitter e de uma porção de incertezas sobre o futuro das mídias tradicionais, fica mais ridículo querer atingir jornalistas.
Não concorda com este ou aquele colunista? Há centenas de outras opiniões na internet. Melhor: publique a sua própria visão.
O lado realmente preocupante, por outro lado, é a tentativa de desqualificação do papel do jornalismo profissional.
Desde as manifestações de junho de 2013, há grupos que insistem nisso.
Sinto muito, mas ainda não inventaram nada que substitua alguns conceitos básicos da reportagem tradicional, como checagem de informações e a preocupação de ouvir todos os lados.
A questão é que isso sempre custou e continua custando dinheiro. Então, uma empresa se dispõe a vender conteúdo noticioso (em qualquer mídia, internet, papel, televisão, rádio) e contrata profissionais para essa função.
Funciona da mesma forma como uma padaria que contrata padeiros – e há os padeiros ruins e os excepcionais, assim como os jornalistas.
Achar que essas empresas só existem em função de um plano perverso para manipular a opinião pública é menosprezar a inteligência e liberdade de escolha.
Elas existem para vender um produto, como este jornal.
Não gostar do conteúdo é diferente de achar que os repórteres que o produzem merecem virar alvo de bombas, como o cinegrafista que morreu enquanto cobria uma manifestação no Rio de Janeiro.
O melhor exercício para avaliar para onde as coisas caminham é pensar em uma sociedade livre de jornalistas.
Nela, os governantes de plantão publicariam suas brilhantes ações no site oficial, em “matérias” ilustradas por fotos em que aparecem beijando crianças pobres. Você, claro, acreditaria em tudo.
Várias experiências do gênero já foram tentadas pelo mundo afora.
Na União Soviética, havia o Pravda, jornal oficial do regime comunista que quer dizer “Verdade”.
E ai de quem não concordasse com a publicação. Só podia mesmo ser um mentiroso.
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