Supercomputador quântico entra em fase de engenharia
IGOR ZOLNERKEVIC
Enviado especial da Folha de S.Paulo a Foz do Iguaçu
Depois de completar mais de três décadas, a idéia que promete revolucionar a história da computação ainda não conseguiu vingar. Os cientistas, entretanto, acreditam que ela já tenha ultrapassado aquilo que seria sua prova de princípio. Quando ganharem vida, os chamados computadores quânticos vão deixar o melhor dos PCs parecendo um ábaco, mas o caminho a trilhar é longo.
O grande diferencial dessas máquinas é que elas funcionariam com uma lógica diferente do sistema binário dos processadores comuns. Em um encontro de físicos no início da semana em Foz do Iguaçu (PR), parecia ser consenso que diversos experimentos já mostraram que a idéia é viável, apesar de difícil. Para construir essas máquinas, afinal, será preciso controlar átomos ou partículas com precisão, um por um.
Um computador quântico, na realidade, já foi construído por pesquisadores da Universidade de Stanford (EUA) e da empresa IBM, em 2001, usando sete átomos para armazenar e processar informação. O melhor que a máquina fez, porém, não foi suficiente para surpreender um aluno de primeira série: determinou que o número 15 é divisível por 3 e 5.
Mas o que importou nesse caso, não foi o resultado, e sim o modo como ele foi obtido.
Um computador normal armazena e processa informação na forma de longas seqüências dos números zero e um –representados em pedaços da máquina chamados de bits. Já o computador quântico usa partículas subatômicas que podem representar zero, um, ou ambos, simultaneamente. Essas unidades fundamentais de informação quântica foram apelidadas de "qubits".
Pode parecer só um detalhe técnico, mas a ambigüidade dos "qubits" os torna capazes de processar informação a uma taxa exponencialmente maior do que os bits conseguem.
Os físicos e os engenheiros, porém, terão de suar muito a camisa para construir computadores com os 10 mil "qubits" necessários para cumprir suas promessas de revolucionar a informática com novos mecanismos de busca de dados e de resolver problemas matemáticos extremamente complexos. O recorde de "qubits" obtidos até agora foi de apenas oito.
Armadilhas de luz
"O problema hoje é juntar muitos "qubits" e realizar várias operações com eles sem cometer erros", explicou à Folha o brasileiro Alessandro Villar, que trabalhou na Universidade de Innsbruck (Áustria) estudando operações feitas com qubits representados por elétrons em átomos aprisionados e controlados por raios laser.
Essas armadilhas ópticas detêm o recorde de número de "qubits", além mostrar mais durabilidade. Para se manter em seu estado dúbio de zero e um, os "qubits" precisam estar isolados do ambiente. Qualquer perturbação mínima faz o "qubit" virar um bit comum. As armadilhas ópticas podem manter os átomos isolados por mais de dez minutos.
"O maior problema delas é aumentar o número de qubits", explica Villar. Apesar do começo encorajador, os físicos estão agora sofrendo para conseguir enfileirar mais "qubits" em armadilhas de átomos. Quanto mais unidades, fica mais difícil de controlar o sistema. Os átomos interferem uns com outros, destruindo os "qubits".
Elétrons encaixotados
Uma abordagem que vem sendo perseguida por outros cientistas não usa armadilhas a laser, e sim um material sólido. Só que essa técnica enfrenta o problema oposto: aumentar o número de "qubits" é fácil, mas eles duram apenas milionésimos de segundos.
Um dos pioneiros dessa técnica é Seigo Tarucha, da Universidade de Tóquio. Seu grupo foi o primeiro a isolar um único elétron dentro de uma espécie de caixa microscópica chamada "ponto quântico". Esse elétron serve como "qubit".
A idéia do computador de pontos quânticos foi proposta em 1998 por David DiVincenzo, da IBM, e Daniel Loss, da Universidade de Basiléia (Suíça). "Um chip comum funciona por operações feitas com campos elétricos num material semicondutor", diz Loss. "Exploramos esse mesmo tipo de física para fazer nossos "qubits".
Até agora, porém, Tarucha conseguiu montar apenas dois "qubits" com pontos quânticos. "Bem, um "qubit" é o primeiro passo. Dois é o segundo passo", diz o japonês. "Quando se pensa o quanto demoramos para ir de um "qubit" até dois, acho que em dois anos poderemos fazer quatro "qubits", em mais dois anos, oito, e assim por diante."
Um mero par de "qubits", porém, já é suficiente para construir uma versão quântica do transistor –a unidade elementar dos chips de computador. "Há bilhões de transistores num único chip. Em nosso caso, um transistor são dois qubits", explica Loss.
"Todos os passos para construir um transistor quântico foram demonstrados em laboratórios diferentes, mas ainda não foi feito tudo junto, em um único laboratório, num único dispositivo", diz. "Isso pode ser feito em um ou dois anos. Se fizermos um transistor, não vejo nada que nos impeça de fazer um bilhão deles."
A duração curta dos "qubits" nos pontos quânticos não é problema, segundo Loss. Embora eles durem só milionésimos de segundo, o tempo de uma operação no computador quântico é ainda menor: trilionésimos de segundo.
A computação quântica já rompeu mesmo a barreira teórica, mas o desafio da prática pelo visto não é desprezível.
"O problema é que tudo o que era fácil de fazer já foi demonstrado", diz Villar. Resta saber quão difícil será o resto.
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