Após dois meses e meio de pauta única, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão próximos de entrar em uma fase quase tão complicada do que julgar o próprio mensalão. A expectativa é que, a partir da última semana de outubro, os integrantes da corte comecem a definir as penas de cada um dos réus condenados na Ação Penal 470, uma tarefa repleta de incógnitas até o momento.
Até quinta-feira (11), o STF proferiu 56 decisões na Ação Penal 470. Houve 42 condenações e 14 absolvições nos cinco crimes analisados nas 38 sessões dedicadas exclusivamente ao mensalão. Antes de chegar às penas, os ministros precisam ainda terminar o item 7 e entrar nas acusações de evasão de divisas contra dez pessoas. No fim, analisarão a acusação de formação de quadrilha contra a cúpula do PT.
Somente após essa parte, com todos os votos confirmados – os ministros podem mudar de ideia até a proclamação – é que a punição de cada um será definida. O processo de decisão será o mesmo. O relator do mensalão, Joaquim Barbosa, virá com a sua proposta. Depois será a vez do revisor, Ricardo Lewandowski. Normalmente, em outras ações penais no STF, os outros ministros escolhiam qual dos dois seguir. Neste caso, deverá ser diferente. Cada ministro tem suas próprias convicções, o que deverá tornar o debate mais prolongado.
Somado ou continuado?
Pela complexidade do processo, com 37 réus respondendo a sete diferentes crimes, a fixação da pena de cada um deve levar mais do que uma sessão. O primeiro debate vai girar em torno de uma questão: os crimes ocorreram como concurso material ou como crime continuado? A diferença entre os dois conceitos é fundamental para saber quanto tempo cada condenado ficará preso. Se os ministros considerarem que houve concurso material, concluirão que os condenados cometeram os crimes a eles imputados várias vezes. Se a conclusão for por crime continuado, os ministros entenderão que os condenados cometeram um crime apenas ao longo do tempo.
No primeiro caso, à pena mínima é somada mais um sexto para cada acusação repetida. Por exemplo, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) foi condenado em duas acusações de peculato e absolvido em outra. Se for estabelecido o concurso material, a punição decidida, que pode variar de dois a 12 anos, soma-se pelo menos mais seis meses à punição concedida.
“Sobre a dosimetria, o relator fará sua proposta e o revisor terá a sua, que poderá ou não ser a mesma do relator. Em seguida, os demais ministros votam. Será uma operação complexa, na medida em que temos um grande número de réus e cada um desses réus responde a um grande número de condutas”, resumiu o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no intervalo de uma das sessões do mensalão.
O Código Penal estabelece uma série de requisitos para estabelecer a pena de uma pessoa condenada por um crime. São dezenas de artigos previstos em lei, cada um com uma especificidade. Para o mensalão, os ministros devem se concentrar na parte que trata da aplicação da punição, que traz uma série de variáveis que serão levadas em conta pela mais alta corte do país. Até agora, foram poucas as pistas do que deve acontecer.
Atenuantes e agravantes
Definir se o crime é cometido em concurso material ou continuado não é o único fator que pesa para decidir a pena. Existem as chamadas circunstâncias atenuantes e agravantes. São pelo menos dez itens que os juízes devem analisar. Por exemplo, agir com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão aumenta a pena. Único ministro a fazer a dosimeteria da pena (porque iria se aposentar antes do final do julgamento), Cezar Peluso considerou como agravante, no caso de João Paulo Cunha, o fato de à época ele ser presidente da Câmara.
Já ser maior de 70 anos ou menor de 21 anos diminui a punição. Eles podem considerar ainda outros agravantes e atenuantes. Aos poucos, os ministros dão pistas do que vai acontecer. Ao terminar o seu voto no item 6, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, falou sobre a biografia política de José Genoino, ex-presidente nacional do PT condenado por corrupção ativa, dizendo que ela poderia vir a ser considerada na hora da aplicação da pena. Para observadores da corte, foi um recado de que ele pode usar a história do petista para dar uma punição menor. Alguns ministros já comentaram no julgamento, também com relação a Genoino, o fato dele não ter enriquecido.
Colaboração com a justiça
Outra situação que pode servir para diminuição de pena é a colaboração com a Justiça. O presidente nacional licenciado do PTB, Roberto Jefferson, foi quem revelou o esquema em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Depois, confirmou as acusações na CPI dos Correios, no Conselho de Ética da Câmara e em juízo. É possível que os ministros considerem como atenuante que tal esquema talvez não viesse a ser descoberto sem a colaboração de Jefferson, e levar isso em conta na hora da aplicação de sua pena. Além disso, o fato de Jefferson sofrer agora de uma doença grave – está com câncer – pode também contribuir para que receba uma punição mais branda.
Porém, esses quesitos vêm depois de os ministros analisarem o que está previsto no artigo 59 do Código Penal. A regra diz que o juiz, “atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima”, vai estabelecer o tamanho da punição. Se ela atingir mais de oito anos, o regime é fechado; entre quatro e oito, semiaberto. Menos do que isso, é regime aberto.
Empates
Com a aposentadoria compulsória de Cezar Peluso no fim de agosto, a corte tem julgado o mensalão com quorum reduzido. A presença de dez ministros em plenário aumenta a possibilidade de empates. Isso já ocorreu na acusação por lavagem de dinheiro contra o ex-deputado José Borba. E pode acontecer novamente na segunda-feira, com a conclusão do item 7.
Porém, até agora os ministros não discutiram qual será o método usado para desempate. “Pois é, à medida que o processo caminha para seu encerramento, vamos ter que discutir isso. Mas por enquanto não”, disse Ayres Britto. Os integrantes do STF garantem que a questão não é discutida nos bastidores. E que esperam o presidente da corte colocar o assunto em pauta.
“Isso certamente vai ficar na fase da dosimetria, o presidente não colocará agora”, afirmou Marco Aurélio Mello. Ele defende a aplicação do voto de qualidade do presidente. Ou seja, em empate, a tese vencedora será aquela em que Ayres Britto votar. Para ele, a regra de em caso de empate o benefício ao réu, defendida por Lewandowski, no STF só vale em habeas corpus. No Judiciário, ou se acolhe ou não se acolhe, não há coluna do meio”, comentou.
Calendário
O primeiro capítulo a ser julgado foi o 3, que analisou os contratos da SMP&B, agência de Marcos Valério, com a Câmara dos Deputados e o Banco do Brasil. O STF considerou que os contratos eram falsos, forjados para garantir a Valério o dinheiro necessário para abastecer o mensalão. Depois foram analisados os itens 5 (gestão fraudulenta no Banco Rural) , 4 (lavagem de dinheiro nos empréstimos concedidos pelo Rural) e 6.
O último capítulo completado trata da tese central do mensalão. A maioria dos ministros entendeu que houve a compra de votos de integrantes da base aliada por parte da cúpula do PT. Por isso, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do partido José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares foram considerados culpados do crime de corrupção ativa.
Nesta segunda-feira (15), a expectativa é que o Supremo encerre o item 7. Nesta parte, seis pessoas são acusadas de lavagem de dinheiro por terem recebido dinheiro do “valerioduto”, esquema montado por Marcos Valério para a distribuição dos valores. Como apontou na última sessão o revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, o sistema foi concebido durante a campanha de Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas Gerais em 1998.
Ainda votarão os ministros Gilmar Mendes, que estava em viagem oficial na semana passada, Celso de Mello e Ayres Britto. Depois, Joaquim deve entrar no item 7, que trata da evasão de divisas. Ele começará tratando da situação dos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, responsáveis pela campanha de Lula nas eleições de 2002. Na sequência, fala dos outros oito réus nesta parte.
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