Do Valor Online:
A presidente Dilma Rousseff deverá fazer um governo mais à esquerda que o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A petista tem uma base maior de apoio dos movimentos sociais, mais respaldo dos trabalhadores e não fará uma administração de continuidade em relação ao seu antecessor.
Essa foi a análise feita por João Pedro Stédile, uma das principais lideranças do MST. Ao participar ontem de um seminário, em São Paulo, Stédile mostrou-se otimista em relação ao governo federal e disse que Dilma pode contar com os movimentos sociais para fazer mudanças na política econômica.
A uma plateia de cerca de 100 estudantes e integrantes de movimentos sociais, na Faculdade de Direito da USP, Stédile afirmou que a presidente tem “uma amplitude ainda maior que Lula na classe trabalhadora” e que “praticamente 90% dos trabalhadores se envolveram na eleição da Dilma”.
Pouco depois, em entrevista, complementou: “Setores da classe trabalhadora, como por exemplo a Força Sindical, que não apoiavam o Lula, agora estão apoiando Dilma. Movimentos religiosos não apoiavam Lula, mas agora apoiam Dilma. Essas forças populares, no atual governo, são maiores, mais amplas”, explicou o dirigente. “Apesar de ainda ser um governo de composição, isso pode dar respaldo para fazer as mudanças estruturais que precisam ser feitas, se ela quiser superar a pobreza.”
Segundo Stédile, a relação de Dilma com os movimentos sociais deverá ser mais tranquila porque no governo anterior “a correlação de forças para os movimentos sociais era muito pior”. “No primeiro ano quase derrubaram Lula. Ele ficou paralisado no primeiro mandato. No segundo mandato avançou um pouco mais, mas foi muito difícil. A correlação de forças e o ambiente político é mais favorável a ter mudanças agora do que foi com Lula. Isso não depende do Lula, nem da Dilma, depende de como as forças sociais se postam na sociedade”, analisou.
O dirigente do MST fez ontem uma palestra de uma hora sobre conjuntura política em um seminário sobre “Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais”, na Faculdade de Direito da USP. Stédile disse acreditar que Dilma fará um governo mais à esquerda que Lula. “Ela vai fazer. Se ela for só um governo de continuidade, ela vai ser pior, porque as pessoas vão dizer que o Lula também fez. Ela já seria derrotada politicamente se propusesse ser só a continuidade. Ela tem que se propor a ser um avanço e a fazer mudanças que não foram feitas no governo Lula”, comentou.
Stédile destacou, ainda, que para concretizar a promessa de erradicar a pobreza no país, Dilma não poderá seguir apenas a cartilha do ex-presidente. “As medidas que Lula tomou nos oito anos, de compensação social com o Prouni, o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo tiveram o papel de tirar o povo da miséria, que agora virou pobre. Mas para sair da pobreza não bastam as medidas de compensação social. Só é possível com a distribuição de riqueza”, disse.
O dirigente do MST fez vários acenos à presidente Dilma. Em um deles, afirmou que a presidente precisa da “mobilização da sociedade” para aprovar mudanças na área econômica. “Se for só o governo ela não consegue”, disse. “Quando entrou o debate da inflação, ela não teve capacidade e as forças conservadoras capitalistas que influem no governo impuseram corte de gastos públicos e aumento da taxa de juros. No primeiro round dessa luta ela perdeu”, disse.
Ao mesmo tempo em que sinalizou à petista, Stédile criticou, em tom de brincadeira, Lula. Ao defender que a presidente utilize o superávit primário para investimentos em infraestrutura, disse que o ex-presidente tomou atitude semelhante durante a crise econômica por um milagre. “Não tem como voltar a investir sem usar o dinheiro que vai para juros. Foi isso o que salvou Lula no segundo mandato, quando estourou a crise (…). Acho que para fazer isso ele foi inspirado em uma certa noite e recebeu uma mensagem do Espírito Santo chamado Celso Furtado.”
Em outro momento da palestra, disse que Lula só ganhou as eleições, em 2002, porque o neoliberalismo “fracassou” na América Latina. “A burguesia, que aqui lê mais que a esquerda, percebeu os movimentos da luta de classe, pôs a barba de molho e parte dela se aliou ao Lula. Isso resultou um governo de composição de classes”, declarou.
Até mesmo ao falar sobre o Código Florestal o líder do MST mostrou proximidade com a presidente Dilma. Segundo Stédile, o governo federal “não é bobo” e vai barrar as mudanças propostas pelos ruralistas. “De todas as interlocuções que temos tido, nos pareceu que o governo tem consciência dos perigos que a versão original do relatório do Aldo [Rebelo, do PCdoB-SP] causava”, comentou, citando o recuo das mudanças que beneficiavam produtores rurais.
Ao fazer o balanço do Abril Vermelho, Stédile disse que o MST mobilizou mais de 30 mil famílias em 19 capitais.
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