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Só 5% dos estudantes de Medicina pretendem atender no interior do Brasil

De cada 100 formandos em medicina no Brasil, apenas cinco desejam trabalhar em cidades pequenas do interior do país, onde a carência é maior; somente 20 querem atuar em clínica geral, como nos programas de Saúde da Família; e 63 pensam em cursar uma especialidade.

Os dados são de uma pesquisa realizada pelo médico e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFTO), Neilton Araujo de Oliveira, para seu doutorado em ensino de biociências e saúde pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O objetivo, entre outros, era estudar o processo de formação médica no Brasil e verificar o que pensam e como se sentem os alunos que se formam num contexto de mudanças tanto no ensino médico, com a implementação das diretrizes curriculares, como no próprio Sistema Único de Saúde (SUS).

A pesquisa também constatou que, quanto ao perfil socioeconômico dos novos médicos do país, 66% têm entre 23 e 25 anos e 44% são de famílias com renda mensal maior acima de 20 salários mínimos (R$ 13.560).

Outro dado interessante é que metade deles afirmou que questões relacionadas ao mercado de trabalho não são discutidas no curso e apenas 16% disseraM haver estudos sobre políticas de saúde já no primeiro ano do seu curso de graduação. E embora 60% tenha informado haver aulas práticas nas unidades básicas de saúde (UBS) e em hospitais do SUS, somente 21% declarou a existência de atividades comunitárias durante a formação.

Para Araújo, apesar da crescente aproximação das faculdades com o sistema público de saúde, ainda são bastante desconhecidas as reais necessidades da população e sua relação com a organização do sistema.

As informações foram coletadas entre 2004 e 2007, em 13 cursos médicos dos estados de Goiás, Tocantins, Alagoas, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, para a tese “Ensino Médico no Brasil: Desafio e Prioridades no SUS”. O pesquisador acumula conhecimento em saúde pública e em políticas e estratégias para o setor, coordenou a criação do curso de Medicina na UFTO e foi secretário municipal de Saúde de Palmas (TO). Araújo afirma que os dados podem ser considerados atuais e constituem uma amostra do que acontece no país.

“Um terço dos alunos declarou preferir cidades médias, outro terço, cidades grandes e outro terço, metrópoles. Estamos longe da meta de contarmos com médicos em todos os municípios do país”, disse Oliveira, lembrando que cerca de 79% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes. E são principalmente as cidades pequenas do interior que não conseguem atrair médicos e onde a população fica desassistida.

Sem base

O desinteresse dos alunos em atuar como generalistas, em especial nas pequenas cidades, decorre de outro problema além da falta de estrutura adequada dos serviços de saúde: as sérias deficiências na formação. Conforme a professora de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e presidenta da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), Jadete Barbosa Lampert, são necessárias reformas na organização curricular, investimentos na carreira docente e maior integração escola-serviço.

Conforme Jadete, as faculdades estão implementando aos poucos as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de medicina, que foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2001. Conforme esses parâmetros, amplamente debatidos pelo setor no processo de elaboração, na graduação de seis anos os médicos devem ser preparados para atender às necessidades da população na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS). Fica para a residência médica a especialização.

“É claro que a formação não se esgota com a graduação e a especialização. Embora as novas diretrizes determinem a construção do conhecimento de maneira permanente, seis anos é um tempo razoável para aquisição de conhecimentos básicos para o atendimento médico, para trabalhar a ética e humanização”, disse.

O problema, afirma Jadete, é que a graduação tem sido esvaziada pela falta de políticas para a formação docente – daí o equívoco, segundo ela, de o governo pensar apenas em estimular a criação de mais vagas em escolas de medicina sem investir em políticas de incentivo a docência. “Como se criam novas escolas sem criar políticas de formação e capacitação de novos professores para essa ampliação?”, questionou. “Atualmente, há estímulo para a pós-graduação, para a publicação de artigos, mas não para atividades de ensino.”

Além disso, segundo ela, a relação escola-serviço é imprescindível desde o início do curso, para embasar o conhecimento que o aluno vai construir na graduação. No entanto, falta estrutura adequada nos serviços de saúde para que a escola possa atuar ao mesmo tempo em que o serviço subsidia a revisão dos conteúdos que estão sendo trabalhados na formação. Para complicar, muitos alunos frequentam cursos preparatórios para a residência durante a própria graduação e ficam com menos tempo para a prática.

“A questão é complexa, mas é preciso fortalecer a graduação para obedecer às diretrizes, que determinam a formação de profissionais generalistas, humanistas, críticos e reflexivos. Pela atual formação, o médico está muito voltado para as tecnologias, os aparelhos para exames, mas cada vez menos olham, ouvem e tocam as pessoas”, concluiu Jadete. (Rede Brasil Atual)