No Vaticano bispos discutirão os problemas ambientais e das populações da região
*Dom Odilo P.Scherer, O Estado de S.Paulo
No próximo mês de outubro vai se reunir no Vaticano a assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Cerca de 250 bispos católicos dessa área, que engloba nove países, foram convocados pelo papa Francisco para, durante três semanas, se ocuparem com o tema Amazônia – novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.
Quando, em junho, o instrumento preparatório do sínodo foi publicado, as manchetes da imprensa mundial deram destaque a um detalhe do texto: a possibilidade de ordenação sacerdotal de homens com família, de provada fé católica, de preferência indígenas, para as comunidades das áreas mais remotas e desassistidas da Amazônia (n.º 129). Motivo do pedido: isso iria ao encontro da necessidade premente de assistência religiosa mais completa às comunidades pouco assistidas na vasta Região Amazônica. Não se trata ainda de nenhuma decisão e se o papa aprovar esse pedido ainda haverá um bom caminho a percorrer. O tema do sínodo, porém, é muito mais amplo que isso.
Não é de hoje que a Amazônia desperta a atenção do mundo, por variados motivos e interesses. A Igreja Católica está presente nessa região, por intermédio dos missionários, desde a chegada dos europeus, no século 16. Hoje essa presença é capilar nas comunidades católicas organizadas em toda a extensão do território e por meio de instituições estáveis, como dioceses, paróquias, congregações religiosas, seminários, escolas, hospitais e numerosas obras sociais para o serviço das populações locais. Graças também à presença secular de missionários e organizações da Igreja no meio das populações indígenas, estas preservaram sua língua e seus costumes e puderam usufruir a proteção e os benefícios para a saúde e a educação.
Atualmente há novos interesses nacionais e internacionais voltados para a grande Amazônia, em vista de sua imensa floresta tropical, sua biodiversidade inigualável, das riquezas minerais no subsolo, muita terra cultivável e cerca de 15% de toda a água doce do mundo. Atribui-se ao bioma amazônico uma função determinante para o equilíbrio climático no planeta inteiro. Além disso, vivem na Amazônia centenas de grupos indígenas, em parte já dizimados ao longo dos séculos, que estão cada vez mais temerosos no tocante às suas terras, suas tradições culturais e seu futuro – eles clamam por seu direito à existência e por respeito; e a população de ribeirinhos, pescadores e coletores, sem esquecer as grandes aglomerações urbanas, onde se concentram muitos dos problemas daquela região. O futuro de todos eles está em jogo na questão amazônica.
Atentos e sensíveis às demandas do ambiente e dos habitantes da grande Amazônia, os bispos católicos da América Latina já se pronunciaram em diversas ocasiões sobre os riscos de uma relação econômica predatória com a natureza. Em 2007, os representantes das conferências episcopais da América Latina e do Caribe, em reunião aberta com a presença do papa Bento XVI, em Aparecida (SP), apontaram uma série de problemas na Amazônia: invasão e usurpação de áreas indígenas e de outras populações originárias, desaparecimento de suas culturas, urbanização acelerada e pauperização do povo, violências de todo tipo, desmatamento e depredação irracional dos recursos naturais, poluição das águas por causa de garimpos e riscos de danos ambientais irreparáveis.
Mais claramente que no passado, hoje se percebe que a relação do homem com o meio tem implicações éticas e morais e requer senso da responsabilidade pessoal e coletiva na defesa e preservação do ambiente. A “casa comum” que nos abriga e sustenta é frágil e indefesa diante dos poderosos interesses econômicos e tecnológicos em jogo. Cabe a todos o zelo para que, nas intervenções sobre os recursos naturais, não prevaleçam a ganância e o egoísmo individuais e de grupos em prejuízo de nações inteiras e da própria humanidade. As gerações futuras terão direito a um mundo habitável, em vez de um planeta contaminado (Documento de Aparecida, §471).
Em 2016, na encíclica Laudato si’ , o papa Francisco abordou as questões ambientais numa visão global e tratou da importância de preservar os ecossistemas, entre os quais o da Amazônia, por causa de sua riqueza biológica, mas também por seu significado para o conjunto da vida, a humana incluída. É tarefa de cada país, mas também é dever da comunidade internacional, por meio de legítimos mecanismos de pressão da sociedade civil, ajudar a sensibilizar as comunidades e os governos locais quanto ao cumprimento de sua missão na preservação do meio ambiente e dos recursos naturais de suas nações. Mas o papa reconhece que o assunto requer “um delicado equilíbrio, pois também não se podem ignorar os enormes interesses internacionais que, a pretexto de cuidar deles, podem atentar contra as soberanias nacionais”. E se refere a “propostas de internacionalização da Amazônia, que só servem a interesses econômicos de corporações internacionais” (n.º 38).
No entanto, seria um equívoco pensar que o sínodo da Amazônia vai tratar somente de questões ambientais. O documento preparatório já amplia o horizonte, incluindo o ser humano na preocupação ambiental, pois ele não é um elemento estranho nem indiferente à questão ambiental. Desde o papa São João Paulo II o discurso da Igreja Católica usa o conceito de “ecologia integral”, que contempla o homem como agente responsável e como vítima das questões ecoambientais. Por isso o sínodo também tratará das muitas formas de pobreza e falta de perspectivas de futuro das populações da Amazônia. Da mesma forma, tratará das migrações, da urbanização e dos povos originários e suas culturas, que merecem o devido respeito e consideração nas políticas sociais, econômicas e culturais.
Nada disso é indiferente à missão da Igreja.
*Cardeal-Arcebispo de São Paulo
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