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Simba, as hienas e a política brasileira

“Opinar na própria página é ser democrático. Entra quem quer! Entrar na página do outro e querer policiar a opinião alheia é ser ditador ou filhote de ditador!” Padre Zézinho

Luiz Claudio Romanelli

Na última semana eu escrevi sobre o problema causado pelo fim da parceria do governo cubano com o Brasil no programa Mais Médicos.

O fato é que a saída dos cubanos pune a imensa maioria da população brasileira que depende exclusivamente da saúde pública. O governo errou ao assinar um acordo internacional com a OPAS, órgão da ONU, sem que tivesse sido prevista uma cláusula que garantisse a continuidade do serviço “É regra básica em todo contrato administrativo a existência de cláusula de transição que garanta a continuidade do serviço público na hipótese de rescisão. Como foi feito um acordo internacional para terceirizar um serviço essencial como o de saúde sem uma única cláusula de transição?” questiona acertadamente a professora Cibele Fernandes Dias.

A verdade é que a “estratégia política” da ilha comunista caribenha, reativa as constantes críticas feitas pelo presidente eleito, acabou por punir justamente os que ela afirma defender: o povo.

Espero que as medidas tomadas pelo presidente Temer deem certo para que a substituição dos médicos ocorra imediatamente.

Daí hoje resolvi falar sobre um tema que é mais aceitável aos “patrulheiros de plantão”

Na semana passada vi que o filme Rei Leão, lançado em 1994, terá uma versão “live action” (personagens reais) em 2019. Pelo que vi a nova versão do filme apresentado pela Disney fará sucesso.

Fiquei me lembrando das dezenas de vezes que assisti à esse filme com meu filho Bruno Luiz, que hoje tem 21 anos. À época alguns críticos faziam comparativos do filme com dois clássicos da literatura mundial – Hamlet (Shakespeare) e O Príncipe (Maquiavel), considerando principalmente, as relações de poder estabelecidas ao longo da trama.

Na década de 1990 já atuava na vida pública e muitas vezes busquei na biografia de grandes líderes mundiais, tentar entender quais as razões que levaram a determinadas tomadas de decisões, estabelecendo a correlação entre a política, o poder e seus líderes, visto que os animais da trama apresentam características bem marcantes, a começar por Mufasa, pai de Simba.

Mufasa pode ser considerado um verdadeiro líder – que exercia com sabedoria as suas responsabilidades e os limites do exercício do poder sobre o seu reino.

Sempre alerta sobre a importância de não esquecer (o governante) de observar as fronteiras que devem ser respeitadas.

Respeito aliás, é preocupação recorrente de Mufasa, que demonstra preocupação e a dúvida se o respeito ao soberano deve vir da admiração ou pelo temor dos seus súditos.

No início do filme Mufasa ensina o filho Simba a ser um líder que não precisa usar manipulação ou força, mas sim ter confiança em si e nos seus atos. Ser um bom mentor é uma das características para um bom gestor público, visto que bons líderes devem saber motivar suas equipes em toda e qualquer situação, sendo fonte de inspiração, sem deixar de determinar como devem ser conduzidas as ações que irão beneficiar toda população.

Como líder que entende que o poder só tem sentido se for para melhorar a vida dos animais (das pessoas), Mufasa sabe que ele é o exemplo e a inspiração de muitos animais do reino que querem ser como ele. Isso o encoraja a desenvolver suas próprias qualidades para continuar sendo um exemplo para os seus admiradores. Verdadeiros líderes sabem que devem ser vistos como exemplo e que o melhor de si deve servir para inspirar suas equipes.

Mas, mesmo com todo exemplo paterno, na infância, Simba achava que ser rei era fazer o que queria a qualquer hora, mas Mufasa o ensinou que ser um líder é mais do que fazer suas vontades, sendo necessário equilíbrio e respeito – ouvindo as necessidades de todos os animais (quem ouve o povo era menos) diminuindo assim, os erros.

Simba achava que ser Rei era não ter medo. Que medo era característica dos fracos, e leões são considerados os seres mais fortes da floresta. Em uma das cenas ele diz “eu rio na cara do perigo”, colocando-se em grandes apuros na sequencia.

Uma grande lição para a vida pública nessa cena é que não é fraco quem tem medo, muito pelo contrário. Nas mais variadas situações temos que ser fortes para admitir o medo do desconhecido e enfrentá-lo. Ser valente não significa se meter em apuros por não ter medo de nada. Ser valente é poder parar quando estamos em meio aos mais diversos problemas, refletir e analisar a melhor decisão a ser tomada.

Quando estava cercado de problemas, Simba fugiu, e, se não fosse Nala, sua corajosa amiga de infância, nunca mais iria voltar.

Quando Nala encontra Simba na floresta ela argumenta com ele com uma frase que é de fundamental importância – “se você estiver com um problema, você pode fugir dele ou aprender com ele”.

Fugir dos problemas não resolve, como muita gente pensa, ou de outros que fingem que ele não existe. Muitos políticos jogam com a plateia – ao se depararem com um problema adotam um discurso demagógico pautado no que a grande maioria quer ouvir. Com o advento das redes sociais, muitas vezes cria-se o “fake news” como forma de mascarar o problema posto, ao invés de trabalhar em conjunto para resolver.

Mas Simba foge em uma situação específica – acredita ter sido o responsável pela morte de seu pai, convencido pelo ganancioso tio Scar – que é o extremo oposto de Mufasa – manipulador desonesto e intimidador, cara de mau. Scar nunca se preocupou com o bem estar de ninguém, além do seu próprio, sendo seu único desejo o poder. Scar deseja o poder pelo poder.

Quando planeja o assassinato de seu irmão, Scar reúne as hienas, grupo que havia sido expulso do reino e estavam vivendo em condições precárias e mobiliza-as dizendo que se o seguissem e ajudassem no seu plano, elas nunca mais sentiriam fome. Essas cenas inclusive fazem alusão aos discursos de Hitler e da maneira como foram formados os exércitos nazistas.

A mensagem é realmente impressionante, pois usa a característica da pouca inteligência da espécie como forma de manipulação, e a letra da música diz tudo:

“Eu sei que sua inteligência nunca foi nem será generosa, mas preste atenção com paciência nas minhas palavras preciosas. Quem presta atenção se concentra pois quero que fiquem cientes que quando um rei sai outro entra. E é razão para ficarem contentes. Se preparem para ter nova vida, uma vida sensacional, chegou nova era, a velha já era. Por sua presença, terão recompensa, quando eu ocupar o meu trono injustiças farei com que parem, se preparem! Vou distribuir prêmios caros para amigos que estejam afim, mas quero deixar muito claro –

Não vão comer nada sem mim! Se preparem para o golpe do século, se preparem para a trama sombria bem premeditada e bem calculada e um rei rejeitado será coroado. Por isso eu disputo e por isso eu luto. O trono terá que ser meu! Que os amigos não me desamparem. Se preparem!”

Incrível que essa letra tem mais de 20 anos seja tão atual.

Quantos discursos semelhantes ao de Scar temos visto nos últimos tempos?

Quanta manipulação pautada em torno das descrenças da população?

Uma massa de hienas pensando estar lutando apenas por comida, ajuda no plano de assassinato do líder do reino, achando que com isso suas vidas iriam melhorar e teriam prosperidade. Qual surpresa quando as caças diminuem e inúmeros outros problemas começam a assolar a população do reino. Buscam os culpados pela tragédia, sem conseguir olhar para a nova liderança que ajudaram a colocar no trono.

O cenário só começa a mudar quando Nala, Timão e Pumba ajudam Simba a superar seu passado e seus erros e o incentivam a retornar para junto de seu povo e brigar por seu trono.

No confronto com Scar, Simba descobre a verdade, mas ambicioso Scar como todo líder covarde, passa a responsabilizar as hienas pelo plano, se dizendo vítima de suas artimanhas e mentiras. Mas nesse momento as hienas, mesmo com sua pouca inteligência percebem toda a trama e decidem agir por si, já cansadas das estratagemas de Scar.

Todos sabem como termina o filme, o bem vence mal. Talvez nem todos saibam que na vida real não é tão simples retomar a vida em uma sociedade governada por Scars, que deixam um rastro de destruição contra os menos favorecidos por onde passam.

Desanimador? Depende do modo como encaramos, pois podemos sim olhar para nossas vidas, nossas escolhas e aquilo que tornamos com o maior teor de realidade possível. “Sempre é tempo de retomar o nosso papel no círculo da vida”, como diria Rafik, o macaco muito sábio. Concluo com uma advertência: qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB.