O Índice de Confiança da Construção, da Fundação Getulio Vargas (FGV), teve queda de 1,4 ponto em fevereiro, mas está longe de abalar as projeções otimistas do setor imobiliário. Para o mercado de habitação, a queda foi pontual. Nem mesmo a nebulosidade que encobriu a economia nas últimas semanas, em decorrência do coronavírus e da redução de estimativas de crescimento do PIB, tirou o ânimo do segmento da construção ligado aos imóveis residenciais. As informações são de Celio Martins na Gazeta do Povo.
As previsões vão longe. Em um plano apresentado ao governo, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), entidade que representa um grande número de empresas do setor, diz que o mercado imobiliário teria potencial para construir até 1 milhão de novas moradias em 2020, com geração de 2,8 milhões de empregos diretos.
O otimismo aumentou após o segundo trimestre de 2019, quando o setor da construção civil registrou crescimento de 2%, segundo levantamento do IBGE, quebrando um ciclo de cinco anos de quedas. A estimativa é de que Produto Interno Bruto (PIB) do setor tenha crescido 2,0% em 2019 (os números ainda não foram fechados, mas até o fim do terceiro trimestre, a alta já havia alcançado 1,7%).
O saldo de geração de empregos da construção civil em 2019 foi o melhor desde 2013. No ano passado foram criados 71 mil empregos, segundo dados divulgados pela Abrainc, equivalente a 11% do total de empregos gerados no Brasil.
Dependência de programa do governo
Apesar dos indicativos de recuperação dos alicerces, para atingir a meta de construir 1 milhão de unidades em 2020 – o que ajudaria a reduzir o déficit habitacional do país (veja infográfico abaixo) – as incorporadoras dependem não de uma pequena ajuda, mas de uma grande colaboração do governo. A Abrainc prevê que metade dessa estimativa – ou seja, cerca de 500 mil moradias – seriam do programa de habitação do governo, que ainda não foi totalmente definido.
“Para 2020, esperamos um crescimento nos lançamentos de 20% a 30% no segmento MAP (imóveis de médio e alto padrão) e, para o Minha Casa Minha Vida (MCMV), a estimativa é de um aumento de 10% nos lançamentos comparados com os últimos anos. Esse valor pode aumentar caso haja uma política habitacional que seja capaz de prover ‘funding’ [financiamento] para [a população de] baixa renda”, diz Luiz Antônio França, presidente da Abrainc.
As indefinições do governo para o setor começam a preocupar, considerando que dois meses do ano já se esgotaram. O “novo Minha Casa Minha Vida”, prometido pelo presidente Jair Bolsonaro, foi adiado do final do ano passado para 2020.
Ao assumir o cargo de ministro do Desenvolvimento Regional, no último dia 11 de fevereiro, Rogério Marinho afirmou que pretende reestruturar o Minha Casa Minha Vida. Ele pediu prazo para “estudar uma alternativa de reestruturação” do programa, que tem enfrentado problemas orçamentários.
Mesmo com a demora de uma definição do programa do governo, que pode impedir a recuperação do setor imobiliário, empresários do ramo da construção de residências veem como positivas as últimas medidas adotadas pela administração federal e autoridades monetárias.
Juros baixos e mais opções de financiamento
A queda da taxa de juros promovida pelo Banco Central (BC), fixada no começo de fevereiro em 4,25% ao ano, é uma dessas medidas consideradas decisivas. “Com juros baixos, há potencial de crescimento muito grande para todo o mercado imobiliário”, enfatiza Rubens Menin, fundador da MRV, ao analisar o cenário do setor para 2020 em reportagem do jornal Valor Econômico. Para ele, as incorporadoras têm “plenas condições” de construir 1 milhão de moradias.
Outra medida bem recebida pelas incorporadoras foi oficializada no último dia 20. A Caixa Econômica Federal anunciou o lançamento de uma nova linha de crédito habitacional com taxa fixa. As contratações podem ser feitas com juros de 8% a 9,75% ao ano, dependendo do tempo de financiamento e do relacionamento do cliente com o banco.
“A grande vantagem dessa operação é a ausência de risco que oferece ao cliente em relação à variação das parcelas. Nessa situação, em qualquer cenário econômico, o valor das parcelas é conhecido do mutuário. Isso é muito importante para operações de longo prazo como o crédito imobiliário”, avalia Luiz França, da Abrainc.
Também está no radar do mercado imobiliário os estudos do Banco Central para permitir que um mesmo imóvel seja usado como garantia para vários empréstimos. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse no último dia 18 de fevereiro que o Banco Central está estudando uma mudança na legislação que permita essa prática, comum em vários países – segundo ele.
Campos Neto comentou que os imóveis residenciais são um grande estoque de capital na economia, com valor conjunto de R$ 12,7 trilhões em cidades grandes, mas com volume de financiamento muito baixo. Com a medida seria possível injetar dinheiro na economia.
“O Brasil, ao contrário de vários países do mundo, tem uma alavancagem muito baixa, o que significa que na média os brasileiros têm grande parte da casa paga. Então nós desenhamos o plano pensando como colocar dinheiro na economia sem gerar gasto público”, disse o presidente do BC.
Vale assinalar ainda nesse rol de medidas favoráveis ao setor imobiliário a manutenção do valor de R$ 77,9 bilhões para o orçamento de 2020 do Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Desse total, serão reservados R$ 65,5 bilhões para o financiamento da casa própria, dos quais R$ 9 bilhões serão destinados a subsidiar a aquisição de imóveis pela modalidade “habitação popular”.
O que pode atrapalhar
Diante desse cenário, o que o que pode atrapalhar o setor e que medidas ainda precisam ser tomadas? “Precisamos da continuidade de um programa habitacional que consiga prover financiamento que viabilize a compra de imóvel para a população de baixa renda, assim como ocorre em diversos países desenvolvidos”, resume a direção da Abrainc em nota enviada à reportagem. “Precisamos também garantir que nas discussões sobre a reforma tributária a carga tributária do setor não seja onerada de forma que comprometa os investimentos. Isso seria um forte entrave ao processo de retomada econômica e de geração de emprego.””
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