A uma semana da votação, Fernando Haddad tenta esconder o que o PT nunca teve pudores em escancarar. Por trás das cores, – agora verde e amarela da campanha –, encontra-se o exército de malfeitores petistas que levou o País à maior crise moral e político-econômica da história recente
Rudolfo Lago e Wilson Lima, IstoÉ
Em um estudo de história que se tornou um clássico, Barbara W.Tuchman usa a lenda do Cavalo de Tróia, contada no poema Ilíada, de Homero, para comentar como muitas vezes os homens embarcam em apostas insensatas e sem sentido que deságuam em destinos trágicos. Como alguém poderia acreditar que um imenso cavalo de madeira recheado de soldados no seu interior fosse apenas um inocente presente para uma cidade? Barbara W.Tuchman batizou esses momentos de “A Marcha da Insensatez”. No Brasil dos nossos dias, o PT tenta apresentar à sociedade um ób vio Cavalo de Troia. Por trás das cores agora verde e amarelas da campanha de Fernando Haddad, apresentado como simpático ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, encontra-se o exército de petistas que, pela sequência de erros administrativos e envolvimento em escandalosos casos de corrupção, ajudou a levar o País à ruína – indubitavelmente a maior crise moral e econômica da história recente. Especialmente no segundo turno, a campanha de Haddad tenta esconder esse exército. Dourar a pílula de fortes tons rubros. Mas se trata de um aspecto inconteste, que o PT não teve pudores de ostentar quando a eleição parecia navegar em mares de águas menos turvas. “Na verdade, quem buscou transformar as eleições deste ano em plebiscito foi o próprio PT”, observa o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). Agora, Haddad posa de democrata, apresentando-se como alguém capaz de aglutinar as esquerdas. Como o herói que desponta na relva sobre o cavalo alado a fim de pacificar a nação. Tarde demais. O cavalo, como sabemos, é outro. Há menos de um mês, a história também era outra.
Na estratégia inicialmente montada, o ex-presidente Lula, preso por corrupção na sede da Polícia Federal em Curitiba, imaginava que o eleitor lhe daria uma ampla votação que soaria como uma absolvição popular. Que coroaria a tese do PT de que tudo não passou de uma injustiça. De uma punição política. De carona, seguiriam pelo mesmo caminho da redenção pelas urnas todos os demais petistas enrolados. O eleitor negou a Lula seu plano. Aceitou o formato plebiscitário, mas para derrotar a tese do PT. Deu a vitória na primeira etapa das eleições a Jair Bolsonaro, do PSL, levando Haddad no segundo turno a tentar construir uma impossível e falsa guinada no formato da sua campanha. “O PT apostava que prevaleceria no conjunto da sociedade a memória dos tempos de bem estar e ascensão econômica dos primeiros anos do governo Lula. Mas o que prevaleceu foi a memória da confusão e da crise dos anos mais recentes, do governo Dilma Rousseff. Os casos de corrupção. E a falta de resposta para o crescimento da violência urbana”, analisa Leonardo Barreto. Ou seja: o que se pretendia escondido na barriga do Cavalo de Tróia, restou escancarado aos olhos do eleitor.
O exército oculto
A sequência de personagens ocultos começa pelo próprio Lula. O primeiro ato de Haddad no segundo turno foi ir à Curitiba receber do ex-presidente a ordem para que parasse de visitá-lo. Assim, a retirada de Lula da campanha já começou não sendo uma decisão de Haddad, mas uma determinação do próprio Lula. Na prática, porém, só o que mudou foi a ausência do contato pessoal entre o criador e a criatura. Emissários do PT têm ido a Curitiba e, na cela na sede da PF, colhem as orientações do ex-presidente para a campanha. Um desses emissários é o advogado Emídio Pereira de Souza, ex-prefeito de Osasco.
Velada ou explícita, a presença de Lula em um eventual governo Fernando Haddad é uma expectativa óbvia. Até porque Haddad foi colocado como candidato para exatamente ser um avatar de Lula. De forma ainda mais explícita do que aconteceu quando da escolha de Dilma Rousseff como sua substituta. Caso siga preso, será um conselheiro evidente, participando especialmente das articulações políticas e das negociações com aliados, sua especialidade. Se deixar a cadeia, Lula poderia vir a ter uma posição de destaque no Ministério de Haddad. A posição mais provável seria ministro das Relações Exteriores.
Dentro da linha inicialmente imaginada de transformar a eleição em plebiscito, o PT imaginava eleger Dilma Rousseff senadora por Minas Gerais. O plano de Dilma era obter um palanque no qual viesse a defender as realizações de seu governo e seguir reforçando ali a narrativa de que seu impeachment foi um golpe. Os votos mineiros lhe dariam a legitimidade para contar tal história. Dilma já era cotada no PT como provável presidente do Senado. Novamente, o plano fracassou. Dilma não foi eleita senadora. Mas segue no leque de opções de Haddad para algum posto técnico no governo. Como o Ministério das Minas e Energia, que ocupou no início do primeiro governo Lula.
Minas e Energia é a área que abriga a Petrobras, berço dos escândalos revelados pela Operação Lava Jato. E é da Petrobras que vem outro exemplo de quem se esconde na barriga do Cavalo de Tróia. O ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli é hoje um dos coordenadores da campanha de Haddad. Gabrielli responde a duas ações de improbidade por mal feitos cometidos no período em que comandava a estatal. No Tribunal de Contas da União (TCU), Gabrielli foi responsabilizado por danos cometidos à Petrobras e condenado a pagar, junto com o ex-diretor Internacional e ex-diretor da BR Distribuidora Nestor Cerveró, R$ 320 milhões, frutos de prejuízos ocorridos nas negociações com a refinaria de Pasadena.
O núcleo mais radical do partido pode estar agora mais escanteado do comando central da campanha de Haddad. Mas segue no PT e segue influente. Caso do ex-senador Lindbergh Farias (PT-RJ), de Fernando Pimentel, ex-governador de Minas Gerais, de Guilherme Boulos (PSOL), derrotado no primeiro turno, mas sempre um soldado de primeira hora de Lula e, por óbvio, do onipresente ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. No primeiro turno, em um momento que parecia mais favorável à vitória de Haddad, Dirceu declarou que o projeto do PT não era ganhar a eleição, era “tomar o poder”. A frase infeliz – numa democracia, o poder é sempre do povo, ninguém deve se arvorar o direito de tomá-lo – foi desautorizada por Haddad e, desde então, Dirceu submergiu. Mas segue distribuindo as cartas nos bastidores da campanha. Outra que mantém ascendência, mas foi aconselhada, nos últimos dias, a ficar na muda foi a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), seguidora também da linha mais radical. “Quem vai acreditar que José Dirceu, Gleisi Hoffmann e outros não terão influência em um eventual novo governo do PT com Haddad?”, questiona o analista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa. “A certeza da volta de diversos desses personagens é um problema para Haddad. O antipetismo tornou-se a marca mais importante desta eleição”, emenda Leonardo Barreto.
Nos bastidores, alguns partidos do chamado grupo progressista que o PT tenta trazer para junto de si no segundo turno, como o PDT e o PSB, admitem que a existência das figuras que ficaram marcadas pelos escândalos de corrupção e pelos erros de condução da era petista complicaram as composições no segundo turno. Ao aliar-se publicamente com o PT e, de quebra, com integrantes do partido que já foram condenados ou estão respondendo a ações judiciais, existe um receio de que as outras siglas acabem sendo contaminadas pelo sentimento antipetista que tem dificultado a vida de Haddad no segundo turno. Leonardo Barreto simplifica o sentimento: “Ninguém aposta em cavalo perdedor”. Principalmente, se for de Tróia.
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