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Sem povo, juiz pode pouco, diz Moro

Sem povo, juiz pode pouco, diz Moro

Palestra do juiz da Operação Lava Jato chamou a atenção da sociedade jurídica e lotou o teatro em Curitiba

Uma palestra com o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato que apura o maior escândalo de corrupção do país, se transformou no principal evento na área política de Curitiba esta semana. O ato, a convite do Instituto dos Advogados do Paraná, ocorreu na noite de quarta-feira (29) e lotou o teatro com aproximadamente 400 assentos, deixando uma fila de espera de mais de 1,5 mil pessoas, na esperança de garantir um espaço no local. A informações são da Gazeta do Iguaçu.

Sérgio Moro abriu a palestra agradecendo a atenção que a sociedade lhe tem dedicado e afirmou: “O que o juiz pode fazer é muito limitado sem o apoio da opinião pública”. O juiz fez questão de esclarecer que no evento não trataria de assuntos ligados a Lava Jato, mas sobre lavagem de dinheiro a partir de outro caso: a Operação Mãos Limpas, deflagrada na Itália em 1992.

As semelhanças entre as duas investigações o motivaram a estabelecer analogias, informou. Como no instante em que rebateu as queixas contra o encarceramento de investigados: “A gente ouve algumas críticas sobre as prisões cautelares, mas as prisões da Lava Jato não chegam nem perto das 800 realizadas na Itália”, ressaltou.

Moro disse que seu interesse pela Mãos Limpas é antigo. Ele dissecou a operação num longo artigo publicado em 2004 na revista do Conselho da Justiça Federal. Chama-se ‘Considerações sobre a Operação Mani Pulite’. A corrupção italiana se parecia muito com a brasileira – na amplitude amazônica e na promiscuidade entre empresários e políticos.

Só para contextualizar, a Mãos Limpas resultou na prisão de 6.069 pessoas. Entre elas 872 empresários, 1.978 agentes públicos e 438 parlamentares. Expediram-se 2.993 mandados de prisão.

No artigo de 2004, Moro descreveu a lama da Itália como se resumisse a encrenca que lhe cairia no colo 11 anos mais tarde: “As investigações judiciais dos crimes contra a administração pública espalharam-se como fogo selvagem, desnudando inclusive a compra e venda de votos e as relações orgânicas entre certos políticos e o crime organizado”.

Preocupação
Na palestra da noite passada, Moro referiu-se aos desdobramentos da Mãos Limpas com uma ponta de desalento. Disse que 40% dos investigados não foram punidos. Os crimes prescreveram ou as leis foram alteradas. Não acha improvável que algo parecido ocorra no Brasil: “O que é preocupante é que nosso Direito processual é muito espelhado no modelo italiano. Lamentavelmente nós copiamos as virtudes, mas também os vícios”.

A despeito da operação italiana, o país ocupa hoje a 69ª posição no ranking mundial de transparência, disse Moro. “Por uma incrível coincidência, empatada com o Brasil”, acrescentou. O doutor defendeu o aperfeiçoamento da legislação penal. Mencionou projeto formulado pela Associação dos Juízes Federais, que tramita no Senado. Prevê a execução das penas a partir do julgamento na segunda instância do Judiciário.

Preocupação II
O juiz encerrou a palestra com uma interrogação sobre o futuro do Brasil: “Vai acontecer como no caso italiano, que apesar de todo o impacto – muito maior que o que temos hoje (na Lava jato) – a situação pouco mudou por conta de uma contra-revolução do mundo político, ou vamos aproveitar esses momentos para melhorar nossas instituições, para que esses casos não se tornem excepcionais no futuro?”.

A pergunta final combina com a afirmação do início, anotou o jornalista Josias de Souza, da Veja: “O que o juiz pode fazer é muito limitado sem o apoio da opinião pública”. No artigo publicado em 2004, Moro já havia realçado o papel da sociedade no combate à aliança espúria entre poder e dinheiro.

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