Devemo-nos unir para evitar que o povo tenha de escolher entre o ruim e o menos pior
O Brasil exige: sejamos radicais. Mas dentro da lei: que a Justiça puna os corruptos, sem que o linchamento midiático destrua reputações antes das provas serem avaliadas. Não sejamos indiferentes ao grito de “ordem!”. Ele não vem só da “direita” política, nem é coisa da classe média assustada: vem do povo e de todo mundo. Queremos punição dos corruptos e ordem para todos, entretanto, dentro da lei e da democracia.
O País foi longe demais ao não coibir o que está fora da lei, o contrabando, o narcotráfico, a violência urbana e rural, a corrupção público-privada. Devemos refrear isso mantendo a democracia e as liberdades antes que algum demagogo, fardado ou disfarçado de civil, venha a fazê-lo com ímpetos autoritários.
Só com soldados armados se enfrentam os bandidos, eles também com fuzis na mão. Se não há mais espaço para a pregação e a condescendência, tampouco queremos, entretanto, que a arbitrariedade policial prevaleça.
O Brasil tem pressa: chega de governos incompetentes. Não se trata só da falta de dinheiro, mas da má gestão aliada às vantagens corporativas e partidárias. Não há crescimento da economia nem empregabilidade sem investimento público e privado. Precisamos reintegrar nossa economia aos fluxos de criatividade e às cadeias produtivas mundiais. Assim como precisamos melhorar a infraestrutura para escoar a produção.
Não haverá adesão aos valores básicos que mantêm a coesão social sem crescimento contínuo da economia e sem respeito ao meio ambiente. Crescer de modo sustentável a 4% ao ano por 20 anos assegura melhor distribuição de renda e oferece mais emprego do que picos ocasionais de 6% ou 7% de crescimento em um ou dois anos, seguidos de mergulhos de 1 a 3 pontos negativos a cada três anos.
Nada disso se conseguirá sem que a educação seja o centro das atenções governamentais e populares.
Sem reformas, a da Previdência acima de todas, pelos danos que a legislação previdenciária atual causa ao Orçamento público, e sem uma “reforma moral” nas nossas práticas políticas, eleitorais e partidárias, nosso destino nacional estará comprometido por décadas.
Um Congresso com 26 partidos torna o País ingovernável. Um governo que tem quase 30 ministérios, cujos titulares são desconhecidos até pelos cidadãos mais bem informados, é incapaz de se haver com os desafios do futuro. Há que reconhecer que o sistema político que montamos em 1988 se exauriu.
A Constituição preserva, e isso deve ser mantido, tanto a intangibilidade e os limites sociais da propriedade privada como os direitos humanos fundamentais. Mas ela não abriga atos de violência nem de desordem continuada.
Entende-se a motivação dos sem-teto, como também a dos sem-terra. Mas fora da lei o que era propósito de reconstrução se transforma em instrumento de deterioração. Há que dar um basta a tanta desordem. Façamo-lo com a Constituição nas mãos, antes que outros o façam, em nome da ordem, mas sem lei.
É este o radicalismo de que precisamos: decência na vida pública, crescimento da economia, salários mais condizentes com o custo de vida, seriedade no trato das finanças públicas, reformas em nome da igualdade social e regional e um serviço público que atenda às demandas básicas das pessoas: moradia, transporte, saúde, educação e segurança. Que os governos se unam à iniciativa privada se for necessário e lhe cedam o passo quando for mais racional para assegurar o atendimento às necessidades do povo.
Um programa simples como esse requer autoridade moral dos que vierem a nos comandar. Só com ela haverá força para dar rumo seguro ao País. Só assim levaremos adiante as reformas, incluída a da Constituição, sem que os poderosos se tornem suspeitos de estar a serviço das oligarquias políticas, econômicas e corporativas.
É para isso que precisamos formar um Polo Popular e Progressista. Por popular entenda-se que respeite a dinâmica dos mercados, pois vivemos num sistema capitalista, mas que saiba que ela não é suficiente para atender às necessidades de toda a população. Por progressista entenda-se que esse bloco seja consciente das transformações produtivas e políticas do mundo, tenha coragem de viver nele tal como ele é e preserve a crença no Brasil como nação.
Ou participamos ativamente das mudanças do mundo contemporâneo ou seremos irrelevantes. Pior, perderemos o que de melhor podemos tirar dele: sua capacidade de renovar-se tecnológica e politicamente.
Na campanha eleitoral que se aproxima os temas centrais estão se delineando: o desprezo aos partidos e à classe política, que advém da descoberta de que as bases do poder apodreceram pela corrupção, só poderá ser ultrapassado se o povo perceber que há alternativas à desmoralização de tudo e de todos.
O grito dos desesperados por emprego e renda não se resolve só com assistencialismo. Este é necessário para a sobrevivência das pessoas. Mas a dignidade delas requer medidas que restabeleçam a confiança na economia, no investimento e no emprego, dando-lhes um horizonte de futuro.
O medo da violência reinante e a perda de oportunidades econômicas tornam o eleitorado suscetível às pregações de “mais ordem”. Empunhemos essa consigna, mas sem substituir a lei pelo arbítrio. Ordem na lei e com bases morais sólidas.
Não é pedir demais que alguns candidatos em disputa no próximo dia 3 de outubro subscrevam essas diretrizes. Qual deles passará ao segundo turno depende do empenho de seus respectivos partidários e da decisão do eleitorado. Unamo-nos desde já, entretanto, em torno desses princípios com a firme disposição de chegar ao segundo turno. Se dois de nossos candidatos lá chegarem, tanto melhor: será o povo que dirá qual deles há de conduzir-nos nos próximos anos. Não devemos arriscar, porém. Se for o caso, devemo-nos unir ainda no primeiro turno para evitar que o povo tenha de escolher entre o ruim e o menos pior.
Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República
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