Em debate no Congresso, a possibilidade de a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dobrar o valor do fundo eleitoral para as campanhas municipais do ano que vem é vista com desconfiança pelo cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio, ouvido pela ÉPOCA nesta terça-feira. Na visão do especialista, ao estabelecer para o fundo um teto de 0,44% da receita corrente líquida prevista para 2019 (o equivalente a R$ 3,7 bilhões), a proposta do deputado Cacá Leão (PP-BA), relator da LDO, pode reforçar desigualdades entre partidos e retroceder uma competição estável conquistada a partir do fim do financiamento privado de campanha, em vigor desde as eleições de 2016. As informações são da Época.
A competitividade eleitoral aumentou nos últimos dois pleitos, principalmente no do ano passado. Ao mesmo tempo, em outro efeito positivo, mais candidaturas femininas puderam ser financiadas. Duplicar o valor destinado às campanhas pode fazer com que as desigualdades voltem a se aprofundar, já que um dos principais critérios para a distribuição dos recursos é proporcional às bancadas dos partidos no Congresso — afirma Praça.
Há uma divisão dos recursos proporcionais aos números de representantes em cada casa do Legislativo — a Câmara dos Deputados e o Senado. É destinado 48% para as legendas que possuem ao menos um representante na Câmara, que recebem quantia proporcional ao número de parlamentares. No caso do Senado, a parcela é de 15%, também distribuída proporcionalmente à quantidade de eleitos. Outros 35% são destinados às legendas dos deputados federais, com base nos percentuais de votação deles nas eleições anteriores. Somente 2% do valor total é dividido de forma igualitária.
Para o cientista político, a balança de um fundo eleitoral que saltaria de R$ 1,7 bilhão (em 2018) para R$ 3,7 bilhões seria favorável a partidos como o PSL e o PT, detentores das maiores bancadas na Câmara dos Deputados e do Senado. No caso do partido do presidente Jair Bolsonaro, há 53 deputados federais e quatro senadores. Entre os petistas, o total de parlamentares chega a 60. No MDB, são 46.
É óbvio que R$ 1,7 bilhão já é suficiente para fazer campanha. O que os parlamentares podem estar pretendendo com essa proposta é conceder mais vantagens para os partidos que hoje têm as maiores bancadas. Hoje, a diferença entre elas não é avassaladora. Mas pode vir a ser em outras eleições. Se existisse uma sigla com 100 cadeiras, por exemplo, o poder econômico dela seria muito maior — explica o professor e pesquisador, ao justificar porquê o impacto da eventual mudança pode distorcer as finanças em pleitos futuros (ele não acredita que a tendência para o fundo eleitoral seja de queda após a possível aprovação da medida que o dobra de valor).
JUSTIFICATIVA FALHA E MIGRAÇÃO PARTIDÁRIA
Na concepção de Sérgio Praça, a alusão ao fato de que se tratam de eleições municipais, feita pelo deputado Cacá Leão na proposta, não seria o suficiente para justificar o aumento significativo no aporte ao fundo eleitoral.
Aparentemente, não existe nenhuma boa justificativa para o aumento. A divisão das eleições em esferas, a cada dois anos, é puramente organizacional. Em aspectos práticos, as votações sempre mobilizam e beneficiam prefeitos e deputados, uma vez que se tratam de parceiros políticos em evidência em ambas ocasiões — pontua o especialista.
Além de estabelecer que faltam fundamentos para justificar um aumento na verba para candidaturas, Praça acredita que o fator econômico pode levar a uma reorganização nas composições partidárias difícil de ser identificada em estudos da área de ciência política.
Existem muitos motivos que podem fazer os políticos trocarem de partido, e seria muito difícil fazer essa identificação em um estudo. Mas é completamente possível imaginar que alguns deles troquem de partido atraídos pelo poder aquisitivo maior de algumas legendas, ainda mais fortalecidas se houver um aumento nos repasses do fundo eleitoral — projeta o estudioso.
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