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SEGREDO DE JUSTIÇA PARA O CARTEL DO OXIGÊNIO ATENTA CONTRA O INTERESSE PÚBLICO

Edição do Alerta Total – www.alertatotal.net: – Por Jorge Serrão e João Vinhosa:

A aplicação responsável do Direito Econômico no Brasil corre um sério risco com o questionável emprego do “segredo de Justiça” no mais importante processo judicial relativo à formação de cartel no país: a Ação Ordinária nº 49160-62.2010.4.01.3400, que tramita perante a 17ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal.

Tal Ação foi movida pela transnacional White Martins contra decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que a multou em R$ 2,218 bilhões por formação de cartel. O julgamento histórico ocorreu no dia primeiro de setembro de 2010. O Processo Administrativo n°. 08012.009888/2003-70 devia servir de exemplo contra a cartelização. Mas o segredo de Justiça usado no recurso pode desmanchar no ar a sólida decisão do CADE.

A discussão sobre a aplicação do segredo de Justiça no citado processo reveste-se de máximo interesse público. Os motivos são vários – relacionados às armações prejudiciais aos cidadãos-contribuintes.

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SEGREDO DE JUSTIÇA PARA O CARTEL DO OXIGÊNIO ATENTA CONTRA O INTERESSE PÚBLICO

SEGREDO DE JUSTIÇA PARA O CARTEL DO OXIGÊNIO ATENTA CONTRA O INTERESSE PÚBLICO

Edição do Alerta Total – www.alertatotal.net: – Por Jorge Serrão e João Vinhosa:

A aplicação responsável do Direito Econômico no Brasil corre um sério risco com o questionável emprego do “segredo de Justiça” no mais importante processo judicial relativo à formação de cartel no país: a Ação Ordinária nº 49160-62.2010.4.01.3400, que tramita perante a 17ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal.

Tal Ação foi movida pela transnacional White Martins contra decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que a multou em R$ 2,218 bilhões por formação de cartel. O julgamento histórico ocorreu no dia primeiro de setembro de 2010. O Processo Administrativo n°. 08012.009888/2003-70 devia servir de exemplo contra a cartelização. Mas o segredo de Justiça usado no recurso pode desmanchar no ar a sólida decisão do CADE.

A discussão sobre a aplicação do segredo de Justiça no citado processo reveste-se de máximo interesse público. Os motivos são vários – relacionados às armações prejudiciais aos cidadãos-contribuintes.

O CADE julgou que ações combinadas para fraudar licitações públicas, superfaturamentos contra hospitais públicos e privados, prejuízos causados à economia nacional como um todo, grande poder econômico dos integrantes do cartel, prática de crime do colarinho branco a nível internacional, importância do conhecimento das práticas criminosas para as demandas públicas e privadas de reparação de danos, etc. Isto já é suficiente para impedir que o caso seja tratado em questionável “segredo judicial”.

A legislação

Os atos processuais, de um modo geral, são públicos. Está escrito na própria Constituição Federal. Em seu artigo 5°, a Lei Maior até determina as exceções: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Não é o caso do processo da White Martins contra o CADE.

O Código de Processo Civil, em seu artigo 155, estipula: “Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos: I – em que o exigir o interesse público; Il – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores”. Novamente, o interesse público não permite segredinhos neste caso.

Contudo, alguns julgados de tribunais superiores apresentam entendimentos mais abrangentes sobre o segredo de justiça, como o seguinte: “O rol das hipóteses de segredo de justiça contido no art. 155 do CPC não é taxativo. Admite-se o processamento em segredo de justiça de ações cuja discussão envolva informações comerciais de caráter confidencial e estratégico”.

Outros julgados de tribunais superiores, no entanto, são mais exigentes, conforme o transcrito a seguir: “A decretação de sigilo processual, que é medida excepcional, requer a comprovação de relevante interesse social ou necessidade de preservação da intimidade”.

Público x privado

Diante dos posicionamentos acima, torna-se lícito concluir que duas coisas são inquestionáveis : I – o interesse público deve ser privilegiado; II – informações comerciais de caráter confidencial e estratégico devem ser mantidas em sigilo, para resguardar o interesse privado.

Acontece que, no processo em questão, no qual foi concedido segredo de justiça a pedido da White Martins, existe um conflito entre o interesse público e o interesse privado: o interesse público (que deve ser sempre privilegiado) está sendo preterido para que o interesse privado seja satisfeito. Brincando com as palavras, isto não é justo…

A propósito – ao julgar o processo por meio do qual a empresa Gemini pretendia a suspensão da obrigação (determinada pelo CADE) de dar publicidade a informações referentes às suas atividades de distribuição de Gás Natural – o Juiz da 20ª. Vara da Justiça Federal em Brasília, Paulo Ricardo de Souza Cruz, reconheceu que o interesse público na preservação da ordem econômica se sobrepõe a eventuais direitos privados.

Na decisão datada de 25/01/07 (em que indeferiu liminar requerida pela Gemini), o citado Juiz afirmou "assistir razão ao CADE quando alega que é essencial para que possa haver concorrência no setor que os potenciais concorrentes conheçam os preços pelo qual o gás natural é transferido pela Petrobras ao Consórcio Gemini". Isso porque, "conhecendo a forma como é feita a remuneração dos integrantes do Consórcio Gemini, os concorrentes poderão fiscalizar a atuação da Petrobras, saber, dia a dia, se a Petrobras está ‘jogando limpo’, ou está tentando beneficiar o consórcio de que é parte".

Reparação de danos

O ajuizamento de ações privadas objetivando o ressarcimento de danos causados por um cartel é da maior importância para desestimular a prática de tal tipo de conluio, cujo combate é extremamente difícil.

Reforçando a importância do ajuizamento dessas ações pelas vítimas do cartel, o CADE – órgão responsável pelo combate a tal tipo de ato criminoso – salientou que a litigância privada já se transformou em peça chave da política de defesa da concorrência nos Estados Unidos, por demonstrar, na prática, sua eficácia para inibir a infração da lei.

É impossível negar que a aplicação do segredo de justiça ora discutido dificulta sobremaneira o ajuizamento dessa espécie de ação. Afinal de contas, é essencial que um prejudicado conheça detalhes dos procedimentos comerciais daqueles que o lesaram para que possa estimar seu prejuízo e o valor do ressarcimento que demandará.

OAB vai se pronunciar?

Diante da importância para a sociedade brasileira da discussão sobre a aplicação do segredo de justiça objeto do presente artigo, seria altamente conveniente uma manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre o assunto.

Não se pode ignorar o peso que teve o posicionamento da OAB no polêmico caso da preservação do sigilo das entrevistas de presidiários com seus advogados. Como se sabe, a OAB defendeu a manutenção do sigilo absoluto, mesmo contrariando grande parte da sociedade.

Acontece que, no caso dos presidiários, seria impraticável um sigilo relativo. No caso em questão, no entanto, vislumbra-se a possibilidade de um sigilo relativo. Considerando o grande interesse público envolvido, poderiam ser selecionados os pontos do processo que, de fato, merecessem o tratamento sigiloso, liberando-se o restante, conforme entendimento do CADE.

Posicionamento do CADE

Para finalizar, é apresentado, a seguir, o entendimento do CADE, manifestado no Voto do Relator (aprovado por unanimidade pelo Plenário) no processo que julgou o Cartel do Oxigênio:

“Um último ponto de destaque nesta seção refere-se à disponibilização de elementos probatórios para ações de indenização. Este voto contém apenas a interpretação do CADE acerca das provas. Os documentos em si, assim como as degravações eletrônicas, não podem ser fornecidas ao público pelo CADE, que se comprometeu a preservar o sigilo desses elementos. A ausência de acesso aos documentos e às degravações evidentemente prejudica a capacidade das vítimas de demandar indenização cabível.

Por este motivo, recomenda-se ao Poder Judiciário a publicação dos documentos e degravações obtidas no início da instrução penal. Passaram-se mais de seis anos da obtenção inicial desses elementos. Eles não possuem mais valor empresarial de relevo, não havendo prejuízo em sua divulgação. Nota-se também que esses materiais já foram visualizados pelos principais concorrentes de cada empresa, o que reforça a perspectiva de que eles não possuem mais valor para as representadas.

Além disso, não se notou qualquer caráter pessoal nos documentos obtidos. Não haveria, assim, qualquer dano à intimidade na divulgação de tais documentos. Finalmente, nota-se que, caso haja objeção à divulgação integral dos documentos, pode-se, alternativamente, disponibilizar apenas os elementos indicados neste voto, cujo foco e conteúdo é ligado essencialmente à prática ilícita. Não há qualquer nota de intimidade nesses elementos”.

Pela conclusão do CADE, cabe indagar: a quem interessa o segredo judicial neste processo contra o cartel dos gases no Brasil?

Jorge Serrão é Jornalista, e João Vinhosa, Engenheiro