O centro histórico de Curitiba, para nossa alegria, está vivo. Depois de anos sem receber investimentos públicos e privados, o São Francisco hoje demonstra uma inequívoca vocação para a produção cultural e o entretenimento. O bairro voltou a ser frequentado. Pessoas que associavam nossa região ao tráfico de drogas agora dividem espaço com os amigos em bares e eventos que mobilizam gente em toda a cidade. Estamos diante de um renascimento invejado por moradores de outros bairros, como o Rebouças, mas que infelizmente não agrada a todos.
Insatisfeito com o barulho à noite, um morador da Rua Paula Gomes coletou assinaturas de pessoas que supostamente pediam o fechamento d’O Torto Bar e a não realização da Quadra Cultural deste ano. Aquilo que seria uma manifestação popular legítima, porém, deixou de merecer crédito quando apuramos que pelo menos sete vizinhos firmaram o abaixo-assinado acreditando se tratar de um manifesto contra as pichações. O mais grave é que esse documento acabou por induzir a erro o Ministério Público.
Na ação que move contra O Torto Bar e a Quadra Cultural, o MP também se baseia no relatório de uma desastrada operação da Ação Integrada de Fiscalização Urbana (Aifu) que constrangeu clientes d’O Torto e foi notícia na Gazeta do Povo. Na ocasião, dispararam um tiro para o alto para obrigar os frequentadores a colocar as mãos na cabeça para serem revistados. O detalhe é que o bar estava com toda a documentação em ordem e ninguém foi detido. À Gazeta, o então secretário de Segurança Pública, Reinaldo de Almeida César, reconheceu excessos e defendeu mudanças na Aifu.
Relembro esses lamentáveis episódios para ressaltar o fato de que, em dez anos de funcionamento, O Torto Bar jamais teve seu nome envolvido em uma ocorrência policial. Em relação aos vizinhos, adotamos uma posição de respeito e entendimento, buscando sempre o diálogo. Fechamos o bar impreterivelmente à meia-noite e aconselhamos os demais bares a fazerem o mesmo. Após o expediente, recolhemos todo o lixo da rua e, em diversas ocasiões, acionamos a Guarda Municipal para denunciar a ação de pichadores.
A ocupação das ruas com pessoas e cultura é a maior contribuição que podemos dar ao nosso bairro. Vizinhos nos relatam que, quando O Torto está aberto, a Paula Gomes se torna mais segura. Inegavelmente, as ruas mal-iluminadas do São Francisco ainda abrigam o consumo e o tráfico de drogas, mas é certo que o caminho para vencê-los não passa pelo esvaziamento das calçadas ou pelo fechamento dos bares, muito menos pelo banimento da Quadra Cultural.
Naturalmente, apesar de todos os nossos esforços, como a contratação de seguranças privados, a Quadra Cultural pode ser melhor organizada. E, para isso, sugerimos que a Aifu realize operações no entorno de grandes eventos, coibindo a venda de bebidas destiladas por ambulantes. Entendemos que a garantia de segurança é premissa fundamental para atividades como a Quadra Cultural, e o apoio das autoridades mostra-se indispensável. No último Réveillon Fora de Época nas Ruínas, por entendermos que não haveria segurança suficiente, O Torto Bar não abriu as portas.
Hoje, mais do que nunca, podemos dizer que o São Francisco vive um dilema: cultura ou crack? Com a resposta, os moradores.
Arlindo Ventura, empresário, é proprietário d’O Torto Bar e organizador da Quadra Cultural.
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