Em pronunciamento enviado ao Fundo Monetário Internacional nesta terça-feira (6), por ocasião da Reunião de Primavera da organização, o ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, admitiu que a nova onda de COVID-19 “lança maior incerteza e estresse acima do normal para o cenário atual” da economia brasileira.
Contudo, o ministro avaliou como positiva a resposta apresentada pelo governo brasileiro no enfrentamento à crise econômica causada pela pandemia em 2020, com a implementação de medidas como o auxílio emergencial, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), e as linhas de crédito subsidiado, especialmente para as pequenas empresas, do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
Agora, Guedes considera que o desafio está em prosseguir com as reformas estruturais para sustentar um período que ele classificou de “forte recuperação”.
Para isso, o ministro assinalou que a nova rodada do auxílio emergencial — com valor inferior ao oferecido no ano passado e destinado a menos pessoas —atrelada a medidas mais fortes para controlar as despesas públicas — como o congelamento temporário de salários no serviço público e de contratações nos níveis federal, estadual e municipal — permitirá garantir a contenção da dívida pública no médio prazo.
“Amplo apoio parlamentar foi obtido para esta abordagem em que o auxílio emergencial foi acionado junto com regras mais fortes para controlar as despesas públicas. Portanto, o suporte fiscal e a proteção da população vulnerável vieram ao lado de medidas para preservar a sustentabilidade das contas públicas”, destacou Guedes no discurso, segundo a Agência Brasil.
Para o economista Lívio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE-FGV) e sócio da consultoria econômica BRCG, é inegável que as medidas adotadas pelo governo para combater os efeitos da COVID-19 foram essenciais para a retomada da economia no segundo semestre de 2020.
No entanto, ele ressalta que, desde que muitas dessas medidas saíram de cena no final do ano passado, diversos indicadores pioraram e estão voltando para patamares inferiores ao período pré-pandemia.
Movimentação em agência da Caixa Econômica Federal, no centro de São Paulo, para saque da última parcela do auxílio emergencial
Em entrevista à Sputnik Brasil, Ribeiro assinala que o governo está tentando reimpor algumas das medidas adotadas em 2020, como a aprovação da nova rodada auxílio emergencial, mas ressalta que a realidade que se apresenta agora é diferente do que aconteceu no ano passado, e que os efeitos dessas medidas podem ser limitados.
“A gente tem que lembrar que há uma inflação muito mais elevada neste momento do que foi no ano passado, o que significa que as medidas devem levar a um incremento de poder de compra menor do que o ocorrido em 2020”, afirma.
Em relação às reformas estruturais, Ribeiro aponta que houve avanços importantes, como, por exemplo, as mudanças feitas no âmbito da PEC Emergencial. Contudo, o especialista assinala que esses avanços são incompletos, na medida em que não resolvem o problema da consolidação fiscal em médio prazo, pois “a trajetória de dívida permanece crescente, a despeito das mudanças institucionais que foram feitas”, o que levará à necessidade de novos ajustes nos próximos anos.
Além disso, o pesquisador do IBRE-FGV assinala que é positivo pensar na consolidação fiscal de médio prazo, mas que é um discurso que está um tanto distante da realidade, pois ainda há muita incerteza em relação à profundidade da crise.
“Não adianta nada eu consolidar o médio prazo com um curto prazo que abre um grande buraco, que, efetivamente, a gente ainda não sabe o tamanho”, comenta Ribeiro.
O economista Kaio Pimentel, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por sua vez, não vê com bons olhos as chamadas reformas estruturais. Em entrevista à Sputnik Brasil, ele afirma que todas as reformas propostas pelo governo nos últimos anos têm como objetivo reduzir a taxa de crescimento dos gastos públicos, o que representa uma “receita de fracasso”.
“A década 2011 – 2020 será muito provavelmente a pior década de crescimento per capita da história, e esse desempenho é causado por esse conjunto de políticas de austeridade que vigoram no país desde 2015, que não foi capaz de diminuir o déficit primário, nem a relação dívida/PIB em relação a 2014. Sequer o nível do PIB retomou o nível de 2014, mesmo considerando o ano de 2019, antes da pandemia”, afirma.
Na opinião do professor da UFRJ, “se há recursos ociosos — como máquinas e trabalhadores —, o governo deveria elevar o nível de gasto ajudando a economia a se recuperar”, ao invés de colocar na Constituição que os gastos não vão aumentar, pois isso não resolve o déficit e torna impossível a recuperação da economia, condenando o país a uma combinação de recessão e desemprego elevado.
“Empresários não investem porque as contas do governo estão equilibradas ou sinalizam equilíbrio […] Empresários investem, no sentido de ampliar a capacidade produtiva da economia e gerando empregos, se cresce a demanda pelos bens e serviços que produzem. O governo deveria utilizar a política fiscal para fazer a demanda”, avalia Pimentel.
Previsão de crescimento do FMI
No ano passado, o FMI previu uma queda de entre 8% e 9% para o Brasil. Porém, a retração acabou sendo menor, de 4,1%, um resultado que Guedes atribuiu às ações do governo no enfrentamento à pandemia, e aproveitou para alfinetar o Fundo e outras organizações internacionais, ao assinalar que o “crescimento em 2020” as surpreendeu “positivamente” o, que “não deveria ser totalmente inesperado”.
Agora, para 2021, o FMI prevê um crescimento para o Brasil de 3,7%, e de cerca de 6% para a economia global. Guedes, contudo, desenhou um horizonte mais otimista, ao afirmar que “os estímulos fiscais adicionais nas principais economias avançadas e o progresso da vacinação sugerem um crescimento global mais forte em 2021 do que o inicialmente esperado”.
Kaio Pimentel, por sua vez, não projeta para o futuro próximo o cenário positivo pintado por Guedes. Para o professor da UFRJ, as previsões de taxa de crescimento da economia brasileira “certamente serão revistas para baixo ao longo deste ano”.
“O relatório Focus já mostra esse movimento em relação ao início do ano. O governo federal parece empenhado em tornar o desempenho da economia pior do que poderia ser ao reduzir fortemente o gasto com o auxílio neste ano, mesmo com a piora da pandemia no Brasil”, o que torna mais difícil implementar as medidas de contenção do vírus e, consequentemente, terá impacto no crescimento previsto para esse ano, avalia Pimentel.
Já Lívio Ribeiro explica que o crescimento previsto pelo FMI, de 3,7%, parece alto, mas não é, pois trata-se de um projeção que indica mais uma estagnação da economia brasileira este ano, “devido ao efeito do carregamento estatístico”, do que crescimento, analisa.
Além disso, o pesquisador do FGV IBRE afirma que alguns analistas já preveem uma leve contração do PIB brasileiro para este ano, mas ressalta que esses números ainda sofrerão mudanças devido a diversas variáveis, que vão desde as medidas de auxílio que o governo deverá adotar, até a duração da crise sanitária propriamente dita e a evolução da imunização contra a COVID-19.
Emblema do Fundo Monetário Internacional na sede da organização em Washington, 30 de novembro de 2015
Quais as chances de retomada do crescimento?
No discurso enviado ao FMI, o ministro da Economia também afirmou que, com base na recuperação demonstrada no ano passado, ele tem um “bom presságio para uma retomada rápida na atividade econômica, na medida em que as restrições impostas pela pandemia se dissipam”, ao argumentar que o impacto maior foi no setor informal da economia, que teria maior flexibilidade para se recuperar.
A maior economia da América Latina – Brasil – crescerá 3,7% em 2021, aumento de 0,1% em relação à projeção de janeiro, após a queda de 4,7% em 2020 https://t.co/J808zGggRP
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) April 6, 2021
Para Lívio Ribeiro, no entanto, a posição de Guedes parece ser demasiadamente benigna, pois, por mais que o setor informal seja mais flexível, por sua própria natureza, não se pode esquecer que as pessoas trabalhavam em pequenos negócios que efetivamente quebraram, e não basta uma simples melhora na questão sanitária para que tudo volte a ser como era antes.
“Me parece excessivamente otimista dizer que tudo voltará muito rápido, que tudo voltará a ser como era antes. De fato, o setor informal foi o que mais sofreu. De fato, ele vai puxar a recuperação, até porque ele sofreu. Mas daí dizer que você fecha todo o buraco rapidamente, que é o que está embutido na fala do ministro, eu acho que há uma distância grande”, avalia.
Por sua vez, o professor da UFRJ Kaio Pimentel assinala que haverá um impulso positivo na economia assim que a vacinação for concluída e se encerrarem as medidas de isolamento, pois várias atividades serão retomadas.
No entanto, o especialista ressalta que, “como as pessoas empobreceram e inúmeras empresas fecharam as portas ao longo da pandemia, e o governo insiste em tomar medidas que impedem o crescimento dos gastos públicos em períodos de normalidade”, é pouco provável que o setor privado seja capaz de “dar o impulso necessário para que a economia retome o nível de atividade anterior à pandemia, que já estava abaixo do nosso pico histórico”.
“A menos que o governo mude radicalmente a orientação da política econômica, o que parece pouco provável, crescimento sustentável e inclusivo será apenas um sonho distante”, conclui Pimentel.
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