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Reforma política

José Maria Alves da Silva

Se há uma coisa sobre a qual parece haver razoável consenso na intelectualidade brasileira atual é sobre a necessidade de reforma política. No entanto, a discussão sobre o tema tem se concentrado apenas num aspecto de um problema maior.

Na língua portuguesa, a palavra política admite vários significados, os quais, em língua inglesa, estão distribuídos em três conceitos distintos: “polity”, “policy” e “politic”.

O primeiro refere-se à configuração institucional do Estado, envolvendo aspectos relativos à forma de governo e a distribuição das competências e responsabilidades das autoridades públicas. O conceito “policy” diz respeito à ação governamental e ao funcionamento da máquina estatal, enquanto o conceito “politic” tem a ver com as disputas partidárias e a administração civilizada de conflitos sociais, nacionais e ideológicos.

A “polity” é uma ciência lógica dedutiva que Thomas Hobbes considerava tão exata quanto a geometria. A “policy” tem uma base essencialmente técnica, enquanto a “politic” está mais para a arte e o jogo do que para a ciência ou para a técnica.

No entanto, curiosamente, hoje a maioria dos profissionais que se apresentam na mídia como “cientistas políticos” são requisitados para trabalhos de natureza muito semelhantes aos de comentaristas de futebol.

Não é de estranhar, portanto, que, quando se fala em reforma política, o assunto acabe girando em torno de coisas como sistema eleitoral, regras plebiscitárias, financiamento de campanhas, regulamentação partidária e tudo o mais que tem a ver exclusivamente com o conceito “politic”.

Não há dúvida sobre a importância de aperfeiçoamentos nessa área, mas, antes disso, é preciso repensar o sistema político como um todo, pois, sem reformas estruturais nos domínios da “polity” e da “policy”, visando ao aperfeiçoamento das tão decantadas quanto menosprezadas instituições republicanas, democráticas e do Estado de Direito, a possibilidade de um Estado absolutista não pode ser descartada.

Infelizmente, nossa história tem mostrado que a República Federativa do Brasil não é, de fato, nem república nem federativa. Para que se possa fazer jus a esse nome, é preciso que as instâncias regionais e locais de poder público (estados e municípios) sejam dotadas de autonomia executiva suficiente para o exercício das funções logicamente cabíveis a cada uma delas, sujeitas a mecanismos de avaliação e cobrança de resultados pelos cidadãos.

Quanto à distribuição tripartite do poder, segundo o princípio de Montesquieu, em vez da propalada independência harmônica entre as esferas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o que na verdade temos visto está mais para uma “relação de troca” de prerrogativas entre essas três esferas.

A reforma política que o Brasil precisa deve começar por uma nova Constituição, a qual, para ser verdadeiramente democrática e invulnerável aos assaltos de interesses particulares, grupais e corporativistas, deve ser amplamente discutida e referendada pelos cidadãos. As necessárias mudanças nos âmbitos da “politic” e “policy” devem ser precedidas e legitimadas por uma reconstrução da “polity”.

José Maria Alves da Silva
Doutor em economia e professor titular aposentado da Universidade Federal de Viçosa

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https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/reforma-politica.shtml

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