A sociedade, o mercado e a própria democracia sinalizam que sim, faz-se necessário algum mecanismo para corrigir o mau uso
Notícias falsas, campanhas digitais mentirosas: as redes sociais foram motivo de discussão já em dezembro de 2014. Em artigo que publiquei neste espaço, o título era uma provocação que se revelou premonitória: “As redes sociais precisam de um ombudsman?”.
O texto, na época, alertava para o problema, mas apostava no papel dos usuários como poder regulador da rede. Uma reportagem de 2018 da BBC mostrou que a discussão era válida: perfis falsos foram usados no Orkut já na campanha de 2010 de Dilma Rousseff!
As notícias falsas não se espalham à toa pelas redes. As plataformas são construídas para criar fluxos de informações virais que criam a ilusão de uma atividade frenética, muitas vezes aceleradas por robôs e perfis falsos. “Para pessoas comuns, compartilhar é mais uma questão de construir a própria imagem na rede do que informar os outros. Informar é um objetivo do jornalismo, não de pessoas comuns”, alerta Henry Jenkins, autor de “Cultura da Convergência”.
Os recentes episódios envolvendo o assassinato da vereadora Marielle Franco e a campanha difamatória que se seguiu são a prova de como notícias falsas atendem a uma demanda e têm poder de rápida propagação. São compartilhadas por pessoas comuns e fanáticos, aqueles que são “um ponto de exclamação ambulante”, como define o escritor israelense Amós Oz. “Têm sempre uma resposta muito simples para tudo e que está acima de qualquer dúvida para eles”.
Como mitigar o problema? A Alemanha aprovou uma lei contra a produção de notícias falsas. No Brasil, o TSE criou um conselho consultivo e um grupo para lidar com notícias falsas nas redes sociais no período eleitoral. Sites de checagem e imprensa confrontam os boatos com os fatos: não, Marielle não foi casada com traficante, não era envolvida com a bandidagem da Maré nem teve a filha aos 16.
A eleição de Donald Trump foi um marco do poder da influência das redes sociais, com a comprovada ação dos russos na produção e distribuição de notícias falsas que o favoreceram. Após tergiversar, o Facebook admitiu que a ferramenta foi usada pelos russos.
Para limpar a barra, Mark Zuckerberg alterou o algoritmo da plataforma e passou a privilegiar conteúdos de interação pessoal, deixando de exibir aqueles produzidos pelo jornalismo profissional. Esta medida só reforça a tendência de o usuário consumir cada vez mais conteúdo de sua bolha de afinidade. Puniu o remédio (o jornalismo) sem atacar a doença (as notícias falsas).
Reportagem do “The Observer” reforça a fragilidade da ferramenta ao revelar como um cientista de computação descobriu uma maneira de extrair perfis de 50 milhões de usuários do Facebook que foram usados pela Cambridge Analytica nas campanhas vitoriosas de Trump e do “brexit”, no Reino Unido.
A asfixia da receita, porém, é ação, o “ombudsman” que incomoda. A Unilever ameaçou cortar US$ 3 bilhões de verbas publicitárias de plataformas, como o Facebook e YouTube, que divulgam conteúdo que associam a marca a mensagens de terrorismo, pedofilia e fake news.
Investigação sobre o vazamento dos perfis do Facebook fez cair as ações em US$ 49 bilhões em um dia. Zuckerberg entendeu o recado: vai limitar o uso das informações dos seus usuários. A partir do momento que esta algaravia editorial deixa de gerar lucros para as empresas que publicam e para aqueles que produzem material falso, aumentam as chances de mudança.
Voltando à pergunta de 2014, “As redes sociais precisam de um ombudsman?”. Parece que a sociedade, o mercado e a própria democracia sinalizam que sim, precisaram, e precisam, de vários “ombudsmen” para corrigir seu mau uso.
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