da Agência O Globo
Com inflação mais alta e o passo mais lento da economia, o ambiente para as negociações salariais está mais difícil. Dados relativos a acordos e convenções coletivas registrados no Ministério do Trabalho (MTE) nos três primeiros meses do ano mostram aumento no número de negociações que terminam sem que o trabalhador consiga sequer repor as perdas geradas pela inflação. Ao mesmo tempo, há uma redução gradativa no percentual do reajuste acima da inflação, das categorias que conseguem obter algum ganho real. No primeiro trimestre deste ano, 10,94% das negociações foram fechadas com correção inferior ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que acumulou alta de 7,68% nos doze meses encerrados em março. É o triplo do registrado em igual período do ano passado, quando apenas 3,54% dos 5.031 acordos resultaram em índice menor que o INPC, na época em 5,38%.
O patamar dos ganhos reais também era outro. No primeiro trimestre de 2014, os aumentos reais ficaram entre 1,82% e 2,05%, acima da inflação. Neste ano, estão decrescentes: 1,64%, em janeiro, 0,93% em fevereiro e 0,64%, em março, em média. O levantamento do site Salários.org.br usou como base 2.121 convenções e acordos coletivos fechados este ano, por cerca de 50 categorias com data-base entre janeiro e março.
A base de dados é alimentada diariamente. E para o professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e coordenador do site Salários.org.br, da Fipe, Hélio Zylberstajn, já há uma tendência delineada de ganhos reais menores e negociações mais travadas em 2015. Segundo ele, a inflação é principal obstáculo para o poder de barganha dos sindicatos.
“Como a inflação está alta e o mercado está recessivo, as empresas estão resistindo a dar aumento real e está mais difícil fechar acordos”, afirma.
Número de acordos cai
Os dados também indicam que o processo de perdas está avançando. Em março deste ano, 30,4% dos acordos fechados não tiveram ganho real, contra 7,9% em igual mês de 2014. Já a parcela dos acordos com índices acima da inflação caíram de 92,2% no terceiro mês do ano passado para 69,6% este ano.
O próprio número de acordos e convenções protocolados — que corresponde a menos da metade do ano passado — também é um indicativo de que as negociações estão mais complicadas, explica Zylberstajn.
O coordenador de Relações Sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), José Silvestre, também vê um ambiente de restrição maior para os acordos firmados no primeiro trimestre.
“Quanto mais elevada a inflação, maior a dificuldade de ganho real. Os dados do mercado de trabalho mostram uma perda de dinamismo muito grande, mas, em que pese a economia ter sido pior em 2014 do que em 2013, o ganho real médio foi superior no ano passado, de 1,39%, em média, ante 1,2% do ano anterior”, afirma Silvestre, que espera por um número crescente de greves pela manutenção de direitos ao longo do ano.
Sem acordo
Um outro “termômetro” das negociações salariais é a quantidade que terminou em dissídio. Quando trabalhadores e patrões não chegam a um acordo, a alternativa é partir para a Justiça, por meio de dissídio coletivo. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) ainda não tem um balanço preciso do número de dissídios por reajuste salarial recebidos neste ano, mas, para o ministro Ives Gandra Filho, vice-presidente do TST e responsável pelas conciliações trabalhistas, a expectativa é de mais dificuldades para alcançar um consenso. Para Gandra, os problemas devem ser maiores nas estatais, influenciadas pelo ajuste fiscal do governo.
“A tendência é vir a ter mais dissídios. Você está num contexto de inflação subindo. O governo começa a pressionar para que não haja reajuste. O trabalhador não vai aceitar”, afirma.
Inflação e desemprego
A sócia do escritório Gama Lima e Guimarães, Patricia Guimarães, considera que, se no início do ano a inflação é o principal entrave para as negociações, na segunda metade do ano — data-base de categorias como bancários e petroleiros — a deterioração do mercado de trabalho, com taxas de desemprego maiores, deverá nortear as negociações e fazer com que os acordos passem a incluir garantias de manutenção de empregos.
“As negociações estão mais complicadas e muitas categorias não estão conseguindo fechar. O sindicato trabalha com a lógica de que a empresa conseguiu ter lucro no ano passado e deve conceder reajuste, e as empresas, em cima do cenário de crise que está dado para a frente”, afirma.
No Sindicato dos Vigilantes do Rio de Janeiro, que representa cerca de 35 mil trabalhadores, o sentimento é que a negociação neste ano foi mais dura. Em março, a categoria conseguiu reajuste de 9%, aumento real de 1,32%, menor que o obtido em 2014 (2,07%). No ano passado, a taxa nominal negociada foi menor, de 8%, mas a inflação medida pelo INPC estava mais baixa. Neste ano, o sindicato chegou a pedir aumento de 15%, mas cedeu.
Para Rafael Piteira, vigilante há cinco anos, o salário da categoria está defasado diante do aumento das despesas, principalmente a conta de luz.
“As contas todas subiram, e o que ganho já não é suficiente para pagá-las. A conta de luz está caríssima. Além disso, as empresas estão atrasando o salário e, por isso, eu só consigo pagar depois do vencimento, com multa”, reclama o vigilante, que recebeu o salário de março com 20 dias de atraso.
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