Ary Filgueira, IstoÉ
No dia 25 de agosto, durante uma das longas sessões que antecederam o julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) usou a tribuna do Senado para fazer um ataque indecoroso aos colegas: “Aqui não tem ninguém com condições de acusar ninguém. E nem de julgar! Qual é a moral desse Senado para julgar a Presidente da República? Que moral têm os senadores para dizer que ela é culpada? Quero saber!”. Na verdade, Gleisi refletia o próprio espelho. Na terça-feira 27, a senadora foi transformada em ré pelo Supremo Tribunal Federal (STF), bem como seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, em uma denúncia por corrupção e lavagem de dinheiro decorrente da Operação Lava Jato. Há fortes indícios de que ela recebeu R$ 1 milhão para sua campanha ao Senado em 2010 provenientes de propina desviada dos cofres da Petrobras. A decisão – por unanimidade, frise-se – da Segunda Turma do Supremo, faz de Gleisi a primeira integrante do Senado a se tornar réu na Lava Jato. Ou seja, ironicamente, a senadora que, dedo em riste, há pouco mais de um mês ousou questionar a moral alheia no Senado, puxa o pelotão dos implicados na Casa. E por corrupção.
Teori considerou os argumentos e conjuntos probatórios apresentados na denúncia contra Gleisi suficientes para a abertura da ação penal. Foi acompanhado por Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. O principal argumento da defesa, de que as provas se apoiariam somente em depoimentos de delação premiada, foi rebatido enfaticamente por Teori. “Há outros inúmeros indícios que reforçam as declarações prestadas por colaboradores, tais como registros telefônicos, informações policiais e documentos apreendidos”, afirmou o ministro. Um desses documentos é uma agenda do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Nela estão relacionados pagamentos de propina a políticos. Na lista constam as iniciais PB ao lado do número “1,0”. Em sua delação, Paulo Roberto revelou que a anotação se referia a Paulo Bernardo e o valor era um repasse de R$ 1 milhão à campanha da senadora.
TELEFONEMA PARA O PT
A quebra do sigilo telefônico do empresário Ernesto Krugler Rodrigues é outro elemento a complicar o casal imoral. Krugler é acusado de receber das mãos de Antônio Carlos Brasil Fioravante – um dos homens da mala do doleiro Alberto Youssef— a quantia para a campanha de Gleisi. Os repasses teriam sido feitos em quatro parcelas de R$ 250 mil, em dinheiro, e não entraram na contabilidade oficial da campanha. Segundo apurou a investigação, os locais de entrega dos valores indicados por Fioravante em sua delação premiada correspondiam a endereços vinculados a Ernesto Krugler Rodrigues. Em uma das quebras de sigilo telefônico, foi identificada uma conversa em 3 de setembro de 2010 entre Ernesto e Fioravante. No mesmo dia, antes desse telefonema, houve uma ligação do PT do Paraná para Ernesto e duas chamadas de Gleisi ao partido. Ernesto atuou na arregimentação de outros empresários para participarem de jantares de campanhas e de outros eventos.
Os advogados de Gleisi e Paulo Bernardo também lançaram mão de um argumento, como num efeito bumerangue, se volta contra o próprio líder máximo do PT, o ex-presidente Lula. Com base na delação premiada do ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), atualmente preso em Curitiba por conta da Lava Jato, eles apontaram Lula como responsável por captar, junto a Paulo Roberto Costa, o repasse de R$ 1 milhão para a campanha de Gleisi. “Isso salta ainda mais aos olhos quando verificamos a iminência de um quinto colaborador. Talvez esse com mais autoridade sobre os fatos, pois era um deputado do Partido Progressista, que vem e fala uma outra hipótese: ‘Esse negócio da Gleisi Hoffmann de dar R$ 1 milhão foi o presidente Lula que mandou fazer’”, argumentou o advogado.
Para os mais supersticiosos, haveria uma maldição na Casa Civil durante a era petista. Na verdade, não se trata exatamente de algo intangível, posicionado entre o etéreo e o mítico, fruto de uma crença. Impressiona a quantidade de infratores, dotados de extraordinária capacidade de manejar o dinheiro público de maneira nada republicana, que ocupou o gabinete mais importante da Esplanada dos Ministérios, depois da Presidência. Com a acusação de Gleisi, são cinco ex-titulares da pasta flagrados em malfeitos. O caso mais emblemático é o de José Dirceu, preso em Curitiba por envolvimento na Lava Jato em meio ao cumprimento da pena imposta pela condenação do mensalão. Depois dele, veio Dilma Rousseff, que acabou defenestrada do cargo e ainda pode ser arrastada para o epicentro da Lava Jato, com o dinheiro recebido por sua campanha. Erenice Guerra, que também ocupou a cadeira da sala contígua ao gabinete da Presidência da República, no Palácio do Planalto, renunciou ao cargo depois de surgirem evidências de prática de tráfico de influência no governo. Antônio Palocci teve destino pior: foi preso na última semana sob acusação de receber propina da empreiteira Odebrecht. Quer dizer, nos anos petistas houve na Casa Civil uma espécie de prova do revezamento do delito.
A FUGA DE MANTEGA
A PF diz ter identificado o risco de o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega fugir do País. A ideia seria deixar o Brasil entre setembro e outubro deste ano. O petista foi alvo da Lava Jato na quinta-feira 22, quando chegou a ser preso e teve a prisão revogada cinco horas depois. Nascido na Itália, Mantega possui dupla cidadania. Investigadores relatam que Mantega e a mulher, Eliane Berger, estavam com passagens compradas para Paris com embarque marcado para o dia seguinte de sua detenção. Após a prisão e soltura, Mantega remarcou a viagem para 8 de outubro, com retorno previsto para o dia 15.
O VOTO DE TEORI
Segundo o ministro do STF, Teori Zavascki (foto), há indícios da participação dos envolvidos na captação de R$ 1 milhão à campanha de Gleisi ao Senado em 2010, que configuraria os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro
Paulo Bernardo
“Em função do cargo de ministro do Planejamento, utilizando-se de sua influência e posição de destaque no âmbito do governo federal, teria solicitado vantagem indevida no valor de R$ 1 milhão a Paulo Roberto Costa destinado à campanha eleitoral de Gleisi Hoffmann, sua esposa, ao Senador Federal”.No material apreendido pelos policiais, havia uma agenda de Paulo Roberto com uma tabela de pagamento de propina há políticos. Em um dos repasses constava as iniciais de Paulo Bernardo.
Gleisi Hoffmann
“Também possuía, ao tempo de sua solicitação, posição relevante dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), sendo apontada como forte candidata a vencer as eleições ao Senado, em 2010, no estado do Paraná, o que de fato ocorreu. Desse modo, o recebimento por parte dessa acusada teria sido em razão do cargo de senadora da república, mesmo antes de assumir, mas ao qual era candidata”.
Ernesto Krugler Rodrigues
“Encarregou-se de receber materialmente a propina ao longo de 2010, à qual se destinava a custear a campanha eleitoral de Gleisi Hoffmann”. A propina de R$ 1 milhão destinada à campanha de Gleisi foi dividida em quatro parcelas de R$ 250 mil. Registros telefônicos mostram ligação entre ele e o entregador de dinheiro de Alberto Yousseff.
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