Modelo polêmico propõe remunerar ex-funcionários
Flávio Filizzola D’Urso
É inegável que o instituto da delação premiada ganhou relevância no Brasil, especialmente em tempos de Lava Jato. Até porque, a partir de delações premiadas, políticos e empresários do alto escalão foram para a cadeia. Mas pergunta-se: a delação, que precisa ser voluntária, pode ser estimulada ou financiada?
Essa indagação surge devido ao chamado Programa de Incentivo à Colaboração, no qual ex-funcionários de empresas envolvidas em casos de corrupção recebem propostas de elevadas indenizações para que formalizem acordos de colaboração premiada. Neste programa, o ex-funcionário que colaborar receberá certa quantia mensal, por vários anos, como recompensa por sua colaboração. E, surgindo “assuntos confidenciais” que devam ser revelados, fica obrigado a informar previamente a empresa, para que esta possa tomar as “medidas de proteção e reparação adequadas”.
Justificou-se a iniciativa deste programa de incentivo porque apenas antigos administradores detinham as informações completas de interesse das autoridades. E, caso decidissem não cooperar com as investigações, o resultado poderia ser a “quebra” da empresa pela possível condenação por improbidade, além de elevadas multas de até 80% de seu patrimônio. Na verdade, o Programa de Incentivo à Colaboração estimula financeiramente a realização de acordos de cooperação pelos antigos administradores, possibilitando a celebração de acordo de leniência da empresa com as autoridades públicas, assegurando a continuidade dos seus negócios.
Existem argumentos contrários a essa iniciativa, que advertem que o delator estaria recebendo uma dupla premiação, pois, além do benefício da redução da pena no acordo com o Ministério Público, também receberia certa quantia —ou que, ao premiar pessoas que cometeram crimes, a empresa estaria premiando o próprio crime, uma vez que os acordos de delação existem para ressarcir os lesados e não os autores de crimes. Argumentam alguns que, por estar sendo indenizado, o delator poderia não informar tudo que tem conhecimento para não desagradar a empresa que lhe paga.
Apelidou-se essa iniciativa de “delação financiada”, que não é ilegal, pois não possui nenhum tipo de previsão legal proibindo-a. Todavia, há quem sustente que esta delação, com pagamento de indenização, comprometeria o requisito da voluntariedade do colaborador, provocando a sua eventual anulação.
Por outro lado, o argumento favorável a essa prática tem viés social, pois, ao estimular acordos de delação e de leniência, os crimes seriam punidos, preservando-se as empresas —e, nelas, os empregos e a arrecadação tributária que propicia.
Portanto, embora uma realidade, a questão ainda suscita muitas dúvidas entre os juristas, especialmente pelo fato da utilização do instituto da delação premiada ser tão recente em nosso ordenamento jurídico, fazendo surgir questões complexas e controversas, como neste caso da “delação financiada” —o que exige dos operadores do direito seu constante aperfeiçoamento, sempre observando-se as garantias individuais dos cidadãos e a busca da Justiça.
Flávio Filizzola D’Urso
Advogado criminalista, pós-graduado em direito penal e processo penal pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex-conselheiro regional da OAB-SP (2016-18)
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