por Zé Beto Maciel
Fiquei surpreso ao ler a Folha de S. Paulo na manhã deste domingo, 19, em que a atriz Mariana Ximenes conta que está aprendendo a falar com o sotaque de Foz do Iguaçu para a minissérie “as Brasileiras”. “É porrrrta, meio caipira”, diz a atriz. Eu me pergunto, má que porra de sotaque é esse? É de Foz? Sei não. Talvez seja da personagem que Mariana vai interpretar, mas deve suscitar muitas dúvidas dos iguaçuenses e de quem morou ou mora na cidade por algum tempo.
A gente já se cansou de dizer que Foz do Iguaçu é cosmopolita, tem mais de 65 etnias etc e tal e que tudo isso se reflete no sotaque da cidade. Se pode até dizer que no macro se encontra um jeito uniforme de falar, mas no microcosmo de cada grupo é que jiripoca pia de forma diferente para surpresa de qualquer atriz.
Numa das invencionices do Chico Alencar nos anos 90, eu tratei do assunto numa matéria “Yo não entendo nadie” que tratava do multilinguismo típico de Foz do Iguaçu. Disse, na época, em qual cidade do mundo você pode dizer bom dia em mais de três idiomas? Trouxe ainda a vivência da minha família que tinha seus próprios códigos lingüísticos. Poucos sabem o que é d’guaú (algo próximo “de brincadeira”, “de mentira” ou um truquinho básico para falar mal da pessoa entre amigos na frente dela mesmo). Também nunca mais ouvir falar a palavra “guanjento” – muito comum na fala da minha mãe que me tratava, eu e meus irmãos, como meninos cheios de guanja (ou meninos bardosos ou cheio de barda). Fora os cencilhos, lexugas, baecôs, ñandejara e por aí afora.
Muito do léxico fronteiriço se incorporou ao nosso dialeto e a gente ria, e muito, dos alemães e italianos que não conseguiam escandir as palavras e falavam com um erre só – tipo car(r)o, car(r)oça e assim por diante. Anotei, ainda na época, que ex-vereador Carlos Grellmann era um exemplo típico no arrasto da linguagem. Sem falar da profusão de argentinos que invadiu a cidade nos anos 90 com os “dá-me dos” e que devolvíamos com um “Olá, que tal?” – até hoje incorporados nos nossos chistes.
Também contei de Foguinho, não lembro mais o nome, um “piranha” analfabeto de nove anos, talvez alguns anos a mais, que não sabia ler e escrever, mas que falava bem o inglês, espanhol e outras línguas necessárias para sua atividade na captura do turista estrangeiro. E ainda do hilário encontro de um grupo de nordestinos que ao passar um longo feriado na casa de um amigo em Foz, resolveu fazer um churrasco, e foi comprar as carnes num açougue árabe na Avenida JK.
Pois é, Foz é bem esse caldeirão lingüístico e é muito difícil identificar um sotaque típico do iguaçuense. Acredito que somos igual a Zelig – personagem do filme de Woody Allen – que mimetiza as transformações físicas conforme o grupo em que vivia no filme. Lembro ainda que nos anos 80, dividi uma barraca da Fartal com um baiano, que falava mais que o homem da cobra para vender seus produtos, e que no final da feira, tava eu lá puxando um baianês.
Foz do Iguaçu, em particular alguns iguaçuenses, tem muito do manifesto antropofágico de Oswald de Andrade que pregava mais ou menos o seguinte: deglutir tudo o que vem de fora e vomitar para fora, ou usar, conforme a gente quer. Tupi or not Tupi, that is the question.
Finalizo com alvissareira notícia que o guarani vai entrar na grade dos estudantes de Letras da Unila. Lembro ainda que o curso de Letras da Unioeste estava – não sei se concluiu – estudando as variantes lingüísticas da fronteira num estudo chamado de “code-mixing”, se não engano. Temos muito que avançar em se tratando de língua e do que é falado em Foz do Iguaçu. E mais um toque, no bom sentindo, para Mariana Ximenes. Assim como os guaranis, que aprenderam a falar ouvindo os pássaros, um iguaçuense da gema fala assoviando. Esse é o nosso sotaque.
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