Editorial, Estadão
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, tornou pública, na segunda-feira passada, a atualização dos dados relativos às eleições municipais de outubro. Segundo o ministro, por ser o primeiro no qual se aplicará a proibição do financiamento de partidos e candidatos por pessoas jurídicas, esse pleito deve ser visto como um “experimento institucional”. Mendes revelou ceticismo em relação aos efeitos dessa proibição, argumentando que foi “um pulo no escuro” fazer alterações pontuais no processo eleitoral em vez de promover a necessária reformulação de todo o sistema político-partidário.
Gilmar Mendes foi um dos três ministros do STF que em setembro do ano passado votaram contra a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para proibir a doação de empresas a campanhas eleitorais, uma ideia fortemente apoiada pelo PT. O relator da ADI foi o ministro Luiz Fux, que sentenciou: “Chegamos a um quadro absolutamente caótico, em que o poder econômico captura de maneira ilícita o poder político”. Cabe observar que esse relatório foi elaborado sob o impacto da Operação Lava Jato, que começava a expor dramaticamente as vísceras de um sistema político amplamente corrompido pelo lulopetismo.
Mas a simples declaração de inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas está longe de ser garantia suficiente de higidez do processo eleitoral, já que o sistema político em que se insere está de fato comprometido. Pode ter razão, portanto, o ministro Gilmar Mendes, quando diz que a próxima campanha será um “pulo no escuro”. Note-se que nesse episódio o PT, como de hábito, agiu essencialmente em defesa de seu projeto de poder, patrocinando um sistema em que, excluídas as doações de pessoas jurídicas, os partidos passariam a ser financiados basicamente com os recursos públicos do Fundo Partidário.
O financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas tende de fato a comprometer a representatividade e o equilíbrio do resultado das urnas em benefício de interesses corporativos, na medida em que rompe o princípio democrático de “um cidadão, um voto”. Empresas não votam. Por outro lado, a exclusividade, ou preponderância do financiamento público aos partidos políticos – que, é sempre bom lembrar, são entidades privadas – tende a favorecer os governantes de turno num sistema político-partidário viciado pelo fisiologismo, campo fértil para projetos de poder populistas.
Assim, numa sociedade livre e democrática, o financiamento das legendas partidárias – indispensáveis à legitimidade de qualquer sistema democrático de governo – deve caber idealmente aos cidadãos, pessoas físicas que espontaneamente se filiam ou simplesmente apoiam com seu voto as legendas partidárias que julgam capazes de representá-los politicamente.
De resto, a proibição das doações eleitorais de empresas privadas não é garantia sequer de combate eficaz à corrupção, por uma razão muito simples, evidenciada pelas investigações da Lava Jato: não há controles que impeçam a prática generalizada da demanda e da oferta de propinas e de seu complemento indispensável, o caixa 2, assunto em que os melhores especialistas costumam ser os tesoureiros dos partidos políticos. Até mesmo uma empresa do porte da Odebrecht, a maior empreiteira de obras públicas do País, dispunha de um departamento discretamente dedicado a administrar os milionários pagamentos “por fora” a políticos e agentes públicos.
A proibição das doações de empresas criará problemas para os partidos na eleição municipal que se aproxima. Mas não se deve subestimar a criatividade dos interesses políticos e corporativos subterrâneos. Pelo menos enquanto não predominarem na vida pública homens e mulheres seriamente dispostos a erradicar as nefastas práticas de quem, na política, enxerga na administração pública e em suas relações com o mundo dos negócios um meio seguro de ganhar dinheiro sujo.
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