Ao que parece, vai longe a polêmica em torno do projeto apresentado pela Frente Evangélica do Congresso Nacional, que institui a cura de homossexuais.
“Não cabe cura para quem não está doente” é o título de artigo assinado por Carla Biancha Angelucci e Humberto Verona, presidentes dos conselhos regional de Piscologia de São Paulo e Federal de Psicologia, respectivamente, veiculado nesta segunda-feira (5) no jornal Folha de S.Paulo.
“Deputados evangélicos ferem a autonomia do Conselho Federal de Psicologia ao tentar permitir que psicólogos proponham tratar e curar homossexuais”, frisa trecho do manifesto.
Leia seguir a íntegra do artigo:
“Não cabe cura para quem não está doente
O Conselho Federal de Psicologia (CFP), assim como os conselhos regionais, é uma autarquia de direito público, com os objetivos de orientar, fiscalizar e disciplinar a profissão de psicólogo, zelar pela fiel observância dos princípios éticos e contribuir para a prestação de serviços à população.
Cumprindo as suas atribuições, o CFP, por meio da resolução 01/99, regulamenta a atuação dos psicólogos com relação à questão da orientação sexual.
Considerando que as homossexualidades não constituem doença, distúrbio ou perversão (compreensão similar à da Organização Mundial da Saúde, da Associação Americana de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina), a resolução proíbe que o psicólogo proponha seu tratamento e cura.
Entretanto, em nenhum momento fica proibido o atendimento psicológico à homossexuais, como afirmado pelo deputado João Campos (PSDB-GO), líder da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional, que propõe um projeto que pretende sustar dois artigos da citada resolução.
Isso fere a autonomia do CFP como órgão que fiscaliza e orienta o exercício da psicologia e contraria as conquistas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, consolidados nacional e internacionalmente.
A iniciativa do CFP foi pioneira e, na época, o Brasil passou a ser o único país no mundo com uma resolução desta natureza. Por isso, o conselho recebeu dois prêmios de direitos humanos.
Vale ressaltar que, a partir da resolução brasileira, a Associação Americana de Psicologia formou um grupo específico para elaborar documentos de referência para norte-americanos e canadenses, reafirmando posteriormente a inexistência de evidências a respeito da possibilidade de se alterar orientações sexuais por meio de psicoterapia.
A discussão sobre a patologização da homossexualidade é comumente atravessada por questões religiosas, já que certas práticas sexuais são vistas também como imorais e contrárias a determinadas crenças.
Entretanto, há que se reafirmar a laicidade da psicologia, bem como de nosso Estado. Isso significa que crenças religiosas -que dizem respeito à esfera privada das pessoas- não podem interferir no exercício profissional dos psicólogos, nem na política brasileira.
Nesse sentido, ao associar o atendimento à pretensa cura de algo que não é doença, entende-se que o psicólogo contribui para o fomento de preconceitos e para a exclusão de uma parcela significativa de nossa população.
Considerando que a experiência homossexual pode causar algum sofrimento psíquico, o psicólogo deve reconhecer que ele é decorrente, sobretudo, do preconceito e da discriminação com aqueles cujas práticas sexuais diferem da norma estabelecida socioculturalmente.
O atendimento psicológico, portanto, deve, em vez de propor a “cura”, explorar possibilidades que permitam ao usuário acessar a realidade da sua orientação sexual, a fim de refletir sobre os efeitos de sua condição e de suas escolhas, para que possa viver sua sexualidade de maneira satisfatória e digna.”
CARLA BIANCHA ANGELUCCI, 37, é presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
HUMBERTO VERONA, 55, é presidente do Conselho Federal de Psicologia
olhe aí