Proprietários de rádios clandestinas não serão mais presos
BRASÍLIA – O governo decidiu atender a uma antiga reivindicação do setor de radiodifusão comunitária, uma das bases políticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e encaminhou ao Congresso, em janeiro, um projeto de lei que alivia as penas para as emissoras irregulares. Pela proposta, operar rádio sem licença deixa de ser crime. Os responsáveis pela emissora clandestina se livram da possibilidade de ir para a cadeia e responderão apenas a um processo administrativo.
O projeto foi recebido com críticas no Congresso. Deputados da Comissão de Ciência e Tecnologia, por onde deverá tramitar a proposta, defendem uma discussão mais ampla sobre o assunto, que envolva também o processo de concessão de outorgas, conduzido pelo Ministério das Comunicações.
O deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC) considerou a proposta um atraso e alertou para a possibilidade de o alívio nas punições acabar se tornando um incentivo à ilegalidade. "O governo tenta justificar sua inoperância e adiciona uma pitada de ideologia muito forte", condenou Bornhausen, avaliando que a medida serve para atender a uma demanda política. "Isso é um projeto ideológico."
O deputado, que é presidente da Frente Parlamentar da Radiodifusão, disse que pretende discutir o assunto em audiências públicas. "Esse projeto é um estímulo a que não cumpram a lei."
Pela proposta, o processo administrativo correrá no Ministério das Comunicações e a operação de rádio sem autorização significará uma infração gravíssima, que será punida com multa e apreensão de equipamentos, além de suspensão da análise do pedido de licença.
Tráfego aéreo
A prisão continua sendo prevista para casos em que a operação ilegal da emissora puser em risco serviços de telecomunicações de emergência e segurança pública. Incluem-se aí os casos de interferência do sinal de rádio pirata na comunicação entre aviões e torres de comando.
O presidente da comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, deputado Walter Pinheiro (PT-BA), defende a elaboração de uma legislação mais abrangente. O mais correto, na opinião de Pinheiro, seria resolver primeiro o acúmulo de pedidos e o ritmo lento da análise dos processos pelo governo. O argumento das entidades que administram rádios comunitárias é de que são forçadas a operar ilegalmente pela demora no Ministério das Comunicações em dar a concessão.
Pinheiro lembra, porém, que outras rádios clandestinas, de interesse comercial, e até político, acabam pegando carona no argumento da radiodifusão comunitária para operar irregularmente "Se retirarmos o caráter criminal, como vamos separar a comunitária da educativa, da picaretagem e da bandidagem? O rigor tem de continuar."
Pinheiro explica que no ano passado a comissão aprovou um projeto para anistiar do processo criminal os donos de rádios que operavam ilegalmente. Segundo ele, a proposta passou na comissão levando em conta que mais de 20 mil pedidos de outorga de rádios comunitárias aguardam decisão do Ministério das Comunicações. "Optamos pela anistia, que suspende os processos para trás, mas mantivemos a tipificação de crime", afirmou.
O deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP) também defende uma discussão mais ampla da radiodifusão como um todo. "Dizer que não é crime, sem definir o futuro, pode incentivar a operação irregular", ressaltou.
Legislação
O tratamento dado pela legislação brasileira às rádios comunitárias levou a polícia a abrir mais de mil inquéritos em todo o Brasil. Em alguns casos, policiais precisam enfrentar operações complicadas em morros do Rio de Janeiro ou favelas em São Paulo para prender líderes comunitários responsáveis pelas rádios.
Atualmente, a legislação qualifica o funcionamento de rádios comunitárias não autorizadas como crime, punido com pena de detenção de 2 a 4 anos. A pena é superior à estipulada, por exemplo, para casos de homicídio culposo, lesão corporal ou cárcere privado.
O governo entende que punições administrativas, como o fechamento das rádios, aplicação de multas e confisco dos equipamentos, são suficientes para lidar com o assunto. De acordo com integrantes do governo, a descriminação das rádios comunitárias deixaria a Justiça Federal, o Ministério Público e a polícia livres para combater crimes considerados mais graves.
Deixe um comentário