Já que estamos no assunto “propina” e para afastar os primeiros mundistas de plantão – que apontam o Brasil e os países do terceiro mundo como antros da corrupção – o New York Times traz uma matéria hoje sobre o assunto. “Guerra à propina corporativa”, de Leslie Wayne, diz que os EUA combatem corrupção fora, mas não dentro de casa.
Wayne traz os novos questionamentos a lei americana Foreign Corrupt Practices Act, de 1977, que proíbe empresas americanas de pagar propinas a funcionários de governos estrangeiros. Entre as empresas investigadas estão nomes conhecidos como Alcoa, Avon, Goldman Sachs, Hewlett-Packard, Pfizer e Wal-Mart Stores, embora nenhuma dessas companhias tenha sido acusada criminalmente até agora.
A lei estava esquecida e só voltou à tona neste século, anos 2000, e mesmo assim é pouco aplicada. O artigo de Wayne traz dados interessantes à respeito da propina no mundo. O Banco Mundial estima que anualmente são pagos em propinas a funcionários governamentais mais de US$ 1 trilhão. De acordo com a organização Transparency International, que rastreia a corrupção, apenas na África são desviados US$ 148 bilhões por ano.
Leia a seguir a íntegra do artigo do NYT.
Guerra à propina corporativa
Por Leslie Wayne
A prisão era o último lugar onde se imaginaria que Albert J. Stanley fosse parar. Mas, em 23 de fevereiro, Stanley, figura legendária no setor petrolífero, foi sentenciado a dois anos e meio de prisão, depois de ter se confessado culpado de conspirar para pagar propina a autoridades na Nigéria em troca de contratos no valor de US$ 6 bilhões.
Deixando de lado os aspectos particulares de seu caso -no qual Stanley disse que o alcoolismo teve uma parte-, o fato mais surpreendente dessa história é que ela poderia ter acontecido em um sem-número de grandes corporações.
O pagamento de subornos é comum nos negócios globais hoje em dia, tanto assim que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos está travando uma campanha agressiva -e controversa- contra a prática.
Pelo menos 78 corporações estão sendo investigadas por possíveis violações da FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), uma lei existente há 35 anos que proíbe empresas americanas de pagar propinas a funcionários de governos estrangeiros. Entre as empresas investigadas estão nomes conhecidos como Alcoa, Avon, Goldman Sachs, Hewlett-Packard, Pfizer e Wal-Mart Stores, embora nenhuma dessas companhias tenha sido acusada criminalmente até agora.
Recentemente veio à tona que a News Corporation, controlada por Rupert Murdoch e que vem se esforçando para conter os danos causados por um escândalo de grampos telefônicos no Reino Unido, é alvo de uma investigação do FBI sobre possíveis pagamentos de subornos no Reino Unido e na Rússia.
Até recentemente, promotores federais vinham ganhando acordos em quase todas as disputas judiciais envolvendo acusações de pagamento de propinas no exterior por parte de multinacionais e seus executivos.
Em fevereiro, porém, o Departamento de Justiça sofreu um revés constrangedor: inesperadamente, arquivou a maior ação já movida contra pessoas físicas sob a FCPA.
Numa avaliação altamente negativa do caso, o juiz federal que julgou a ação, Richard J. Leon, descreveu o esforço do governo como “um capítulo longo e lamentável nos anais do policiamento de crimes do colarinho branco”. Sua abordagem à lei tinha sido “muito, muito agressiva”, opinou o juiz.
O fato abriu a porta para que críticos declarassem que as autoridades federais vêm extrapolando suas funções ao tentar combater a corrupção fora dos Estados Unidos.
Para os críticos, a repressão à corrupção, que começou para valer há três anos, vem dificultando às empresas conquistar negócios legítimos, além de ter instaurado o medo desnecessário entre executivos.
Muitas empresas prefeririam resolver quaisquer acusações na Justiça com acordos extrajudiciais rápidos.
“Estamos vendo empresas sendo enquadradas em investigações e ações de policiamento agressivas”, comentou Lisa A. Rickard, presidente do Instituto de Reforma Legal da Câmara de Comércio dos EUA, que está fazendo campanha pela modificação da lei. “Uma cultura de zelo excessivo tomou conta do Departamento de Justiça.”
Mas Lanny A. Breuer, secretário-assistente de Justiça dos Estados Unidos que vem intensificando os enquadramentos de empresas na lei FCPA, revelou que está ampliando sua equipe de profissionais e sua gama de alvos. “Temos que nos dispor a aceitar casos nos quais sabemos que talvez sejamos derrotados”, disse. “Não podemos escolher apenas as ações fáceis.”
Ele se vê como estando do lado certo da história, especialmente em vista das críticas feitas à corrupção governamental no mundo árabe e em outros países.
Promulgada em 1977, a lei FCPA proíbe empresas americanas e empresas estrangeiras cujos títulos sejam negociados em bolsas dos EUA de pagar propinas a funcionários estrangeiros com a finalidade de atrair ou conservar negócios. Durante muitos anos, poucas pessoas foram enquadradas na lei. Em 2003, por exemplo, nem uma única acusação foi formulada.
Nos últimos quatro anos, porém, 58 empresas pagaram um total de US$ 3,74 bilhões em acordos extrajudiciais em casos de corrupção. Desde 2009, cerca de 67 pessoas foram acusadas criminalmente, 20 ainda aguardam julgamento e 42 foram condenadas. Vinte e duas pessoas foram absolvidas ou tiveram suas acusações arquivadas.
Um homem que o governo americano está processando é o filho do presidente da Guiné Equatorial. As autoridades dizem que Teodoro Nguema Obiang Mangue acumulou mais de US$ 100 milhões nos EUA através de corrupção e lavagem de dinheiro, enquanto recebia do governo um salário anual inferior a US$ 100 mil.
O Banco Mundial estima que anualmente são pagos em propinas a funcionários governamentais mais de US$ 1 trilhão. De acordo com a organização Transparency International, que rastreia a corrupção, apenas na África são desviados US$ 148 bilhões por ano.
O advogado Jeffrey M. Kaplan, de Princeton, Nova Jersey, especializado em ações contra a corrupção, comentou: “Estamos falando em milhões de dólares que vão para as mãos de ditadores que vendem seu patrimônio nacional em países onde nem sequer se consegue água limpa. O pagamento de propinas é endêmico da condição humana. Se a prática não pode ser erradicada, é preciso fazer alguma coisa para combatê-la e a FCPA é isso.”
Uma das maiores ações movidas sob a FCPA envolveu a Siemens da Alemanha, que em 2008 foi acusada de pagar suborno a autoridades em uma série de países. A Siemens pagou US$ 800 milhões a reguladores nos EUA e outros US$ 800 milhões na Alemanha para resolver o caso.
Mas ainda está em curso um processo criminal contra oito ex-executivos da Siemens e de fornecedoras. Os oito foram acusados de pagar US$ 100 milhões em propinas a autoridades da Argentina, incluindo o ex-presidente Carlos Menem.
Nos EUA, críticos alegam que os grandes acordos extrajudiciais são vitórias ocas, na medida em que possibilitam às empresas evitar a publicidade negativa que acompanharia julgamentos nos tribunais. E os críticos citam algumas derrotas, apontando-as como outro ponto fraco nos esforços do governo. Em dezembro, um juiz federal de Los Angeles revogou a condenação de dois empresários americanos acusados de pagarem propinas no México. Em janeiro, um juiz do Texas, alegando falta de provas, arquivou um processo por corrupção movido contra um empresário americano que trabalhava para uma empresa suíça.
A Câmara de Comércio pressiona por novas diretrizes sobre a implementação da lei, que estão previstas para serem anunciadas este ano. “Estamos falando de responsabilidade criminal. Isso suscita medo e terror nas empresas”, disse Rickard, da Câmara de Comércio. No Departamento de Justiça, Breuer pareceu estar disposto a encarar qualquer briga. Ele disse que a FCPA frequentemente pune os ricos. “Algumas das pessoas que acusamos são fabulosamente ricas”, disse ele. “Com frequência, também são pessoas fabulosamente poderosas, capazes de contratar advogados fabulosos.”
Leslie Wayne é editor sênior da 100Reporters, organização independente e sem fins lucrativos
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