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Proibida por lei, politização avança nas Forças Armadas em meio a sinais de impunidade

Ao menos 18 militares da ativa usaram os próprios perfis nas redes para tecer comentários políticos nos últimos quatro anos; destes, só um se tornou alvo de processo na Justiça MilitarAo menos 18 militares da ativa usaram os próprios perfis nas redes para tecer comentários políticos nos últimos quatro anos; destes, só um se tornou alvo de processo na Justiça Militar Márcia Foletto.

Alimentada nos últimos quatro anos pela presença de milhares de militares, inclusive da ativa, em cargos no governo Bolsonaro, a politização da caserna afetou a relação entre o presidente Lula e o Exército, com direito a troca de comando em meio a suspeitas de leniência na contenção dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. O engajamento de parte das Forças Armadas também pode ser constatado nas redes sociais, onde manifestações político-partidárias, algumas de viés golpista, tornaram-se frequentes, a despeito da proibição explícita em lei, e nem sempre reprimidas.

Levantamento do GLOBO localizou 18 militares da ativa — 14 do Exército, três da Marinha e um da Aeronáutica — que usaram seus perfis para tecer comentários políticos nos últimos anos. Só um desses casos, porém, virou processo na Justiça Militar: o do major João Paulo da Costa Araújo Alves, do Piauí, que chegou a ser preso, em maio de 2022, após ignorar reiteradamente as reprimendas de superiores. Solto dias depois, aguarda julgamento.

Nas redes do major, além de referências a Olavo de Carvalho, da defesa de remédios sem eficácia contra a Covid-19 e de críticas às vacinas, havia ainda ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), associados a Hitler, e às urnas eletrônicas. Os gestos de descrédito sobre o sistema eleitoral, uma tônica bolsonarista, também aparecem regularmente nos posts de outros militares.

O sargento da Marinha Antonio Ilton de Sousa Castro, por exemplo, compartilhou no Instagram críticas a generais que teriam “forçado os comandados” a “aceitarem o resultado de uma eleição imunda”. Já o major Fabio de Oliveira Huss, do Exército, mantém disponível na mesma rede conteúdos com a mensagem “Brasil foi roubado”, amplamente usada por bolsonaristas contra a legitimidade das eleições.

O GLOBO também encontrou pedidos de voto para Bolsonaro e ofensas constantes a Lula. “Não devolvam o bandido à cena do crime”, escreveu o suboficial da Aeronáutica Washington Humberto Cordeiro às vésperas do segundo turno. Sacramentada a derrota, o major do Exército Leandro Cardoso de Azevedo, junto de uma notícia que tratava de militares da reserva cogitando uma “guerra civil”, acrescentou: “Os da ativa também”.

O Exército e a Aeronáutica não responderam se algum dos nomes listados foi punido. Já a Marinha citou a Lei Geral de Proteção de Dados para não tratar de “militares específicos”, mas informou ter punido nove integrantes, de 2019 a 2023, “por manifestações públicas de caráter político-partidário” — número que não foi apresentado pelas outras duas Forças. O Ministério da Defesa não se manifestou.

Ex-diretor de Cooperação do Ministério da Defesa e professor de Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), Antonio Jorge Ramalho avalia que o caso do general e deputado federal eleito Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde, que passou incólume após participar de um ato político com Jair Bolsonaro em 2021, virou símbolo de impunidade:

— Como exigir que os praças não se manifestem se um general faz isso e nada ocorre? O recado para a tropa é nítido.

Os regulamentos disciplinares das três Forças, estabelecidos em decretos presidenciais, são claros ao impedir que militares da ativa embrenhem-se por debates ideológicos. No Exército, o texto em vigor desde 2002 veda qualquer expressão pública, “sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”.

Nas regras da Marinha e da Aeronáutica, formuladas ainda durante a ditadura — em 1983 e 1975, respectivamente — , consta o impedimento de manifestar-se “publicamente a respeito de assuntos políticos”. Já o artigo 45 do Estatuto dos Militares, de 1980, impõe a proibição de “quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”.

Promotor aposentado da Justiça Militar, Jorge Cesar de Assis diz que hierarquia e disciplina são “bases estruturais das Forças Armadas”. O veto à livre manifestação, para ele, é só uma das “várias restrições” impostas pela vida militar.

— Manifestação pública de ordem político-partidária é e sempre foi proibida, podendo caracterizar grave transgressão disciplinar ou crime — explica Assis, frisando que posts na internet podem gerar punições. — Tanto no campo disciplinar como no penal militar, a depender do caso concreto. As redes têm poder enorme e instantâneo de propagação.

Prerrogativa de comandantes e superiores hierárquicos, a sanção disciplinar abrange punições como advertência e detenção. A infração pode ensejar ainda um processo criminal na Justiça Militar. Para manifestações políticas, uma das hipóteses — caso do major do Piauí — é o enquadramento no artigo 163 do Código Penal Militar, que pune com até dois anos de prisão quem ignora “dever imposto em lei, regulamento ou instrução”.

Os estudiosos ouvidos pelo GLOBO apontam uma ação do general Eduardo Villas Bôas como decisiva na politização da caserna. Em 2018, antes de um julgamento no STF que poderia libertar Lula, o então comandante do Exército postou que a corporação compartilhava “o anseio de todos os cidadãos de bem”.

— As Forças vinham se mantendo discretas até em fases turbulentas, com dois impeachments. A vitória de Bolsonaro agravou o quadro e deixou não só oficiais da reserva à vontade para transgredir, como os da ativa também — pontua o cientista político Eurico de Lima Figueiredo, professor da UFF.

Fonte: O globo