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Privilégios na prisão


É preciso habituar-se à ideia de que o ex-presidente tem de cumprir sua pena como todos os outros presos

Editorial, Estadão

Por decisão corroborada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), o sr. Lula da Silva cumpre pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na carceragem da Polícia Federal (PF) em Curitiba. Apesar disso – em si um favorecimento -, repetem-se as tentativas de dar ao ex-presidente mais tratamentos especiais, aos quais nenhum outro presidiário no País tem direito. Essas manobras para conceder privilégios inéditos ao líder petista são uma afronta ao princípio da igualdade de todos perante a lei.

O ex-presidente Lula da Silva requereu à Justiça autorização para comparecer ao velório do seu irmão Genival Inácio da Silva. Seu pedido foi negado tendo por fundamento o relatório da Polícia Federal que atestou a impossibilidade de levar, com segurança e a tempo, o presidiário até o local do velório, em São Bernardo do Campo (SP).

O deslocamento do ex-presidente exigiria “um transporte de helicóptero da sede da Superintendência da PF em Curitiba até o primeiro aeroporto, uma aeronave da PF – com a devida segurança e piloto próprio – para o transporte entre Curitiba e São Paulo e outro helicóptero até o cemitério”, afirmou a PF. No entanto, não havia helicópteros disponíveis, já que “estão sendo utilizados para apoio aos resgates das vítimas de Brumadinho”. E, não fosse isso, a aeronave seria cedida ao réu condenado?

A análise de risco da PF concluiu ainda que levar Lula da Silva até São Bernardo do Campo poderia ocasionar situações graves, como a “fuga ou resgate do ex-presidente Lula; atentado contra a vida do ex-presidente Lula; atentados contra agentes públicos; comprometimento da ordem pública; protestos de simpatizantes e apoiadores do ex-presidente Lula; protestos de grupos de pressão contrários ao ex-presidente Lula”. Não havia, pois, razoabilidade em autorizar a ida de Lula da Silva ao velório do irmão. Esqueceu-se de argumentar que lugar de preso é na cadeia, onde deveria estar justamente porque cometeu, por vontade própria, atos que o colocaram à margem da sociedade, aí incluídos aqueles referentes à sua família. Há exceções.

A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) estabelece que “os condenados que cumprem pena em regime fechado (…) poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos: falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão”. A lei não concede um direito irrestrito e automático. Em caso de falecimento de familiares próximos, os presos “poderão obter” a permissão de saída, a ser autorizada pelo diretor de estabelecimento penal.

Não satisfeito com a impossibilidade reconhecida pela PF, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, concedeu uma criativa ordem de habeas corpus de ofício, arbitrando que o preso Lula da Silva teria direito de se encontrar com os seus familiares em uma unidade militar, “inclusive com a possibilidade do corpo do de cujos ser levado à referida unidade militar, a critério da família”.

Trata-se de tratamento privilegiado. Nenhum preso tem à sua disposição unidade militar para se encontrar com familiares por ocasião do falecimento de um ente querido. Qual é a razão, portanto, para oferecer tal mimo ao líder petista?

A condição de ex-presidente da República exige das autoridades policiais alguns cuidados em relação ao preso Lula da Silva. Em seu caso, a simples visita a um velório poderia gerar transtornos e riscos para a ordem pública, além da possibilidade de transformar o que deveria ser um ato de solidariedade familiar, íntimo, em comício político – o que não apresenta nenhuma correspondência com as situações previstas na Lei de Execução Penal.

O fato de Lula da Silva ter-se recusado a ir a São Bernardo do Campo nas condições concedidas pelo presidente do STF não elimina o arbítrio da concessão do privilégio, ao qual nem ele nem outro preso teria direito. Não cabe à Justiça criar direitos exclusivos para um presidiário. É preciso habituar-se à ideia de que o ex-presidente tem de cumprir sua pena como todos os outros presos.

 
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