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Privatização=partilha, a rebelião semântica do PT, aponta Mazza

Uma rebelião semântica – O temor das palavras é uma constante: a presidente Dilma, para evitar falar em “privatização”, expressão demonizada pelos companheiros, sacou “partilha”, que tenta sugerir ser outra coisa. Lembro que a palavra reforma agrária era tão demonizada por causa de revoltas como a de Porecatu e das pregações da versão atualizada de Antonio Conselheiro, o deputado Francisco Julião com as suas ligas camponesas, que o governo sóbrio de Carvalho Pinto criou o programa “revisão agrária”, entregue a José Bonifácio Coutinho.

Como sempre uma razão bem colonial, apesar de se dar num país pós-industrial, prevalece: a licitação do Campo de Libra tem a sua modernidade desmascarada no modelo de partilha que dá vantagens demais a estatais, Petrobras e a ligada ao pré-sal, uma espécie de capitalismo sem lucro como já o temos o “sem risco” de empresários chapas brancas e suas reservas de mercado.

Lembra o colonato, antes da chegada do capitalismo ao campo, com as vantagens do latifúndio na “orelha de jegue”, no vale do armazém onde o agregado fazia as compras ou ainda do “cambão”, a obrigatoriedade de trabalhar um dia de graça ao patrão. Antes disso havia o medieval “jus primae nocte”, o direito do patrão dormir a primeira noite da aldeã que casasse, chamado de “direito de pernada”. Da mesma forma que os reacionários fazendeiros viram nos sindicatos rurais criados por João Goulart um mal como se dera antes, bem antes, com a abolição, também se percebe aí a supervivência de valores arcaicos com o excesso de salvaguardas estatais.

Tabus linguísticos

Um mestre paranaense, Rosário Farani Mansur Guérios, fez estudo magistral sobre tabus linguísticos centrado num conceito polinésico de opor à palavra interdita o “noa” que a sublimaria ou a eliminaria. Houve tempo em que os jornais cultuavam de tal forma esse temor que não nominavam as doenças pelo receio de que a simples referência ao termo contaminasse o ambiente. Na forma gongórica de dizê-lo usavam o “moléstia incurável” ou pertinaz. Como se dá também na referência ao “anjo” do mal, satanás, referido como “o cão, o chifrudo, o coisa ruim”, para evitar que a menção o invoque.

Há um pouco disso na demonização da “privatização”, vista como um mal e de forma tão religiosa que obriga como penitência chamá-la de parceria ou partilha ou ainda xingá-la, para consagrar seu oposto, de privataria. Esse resíduo arcaico de cultuar algo hoje impossível como o Estado Provedor, há muito sepultado, existe mais na ideologia e no discurso do que na prática, tal qual se dá com qualquer vestígio de ética na prática política, aliás bandeira que o PM mantinha e não conseguiu sustentá-la por causa de sua prioridade em ocupar todos os espaços possíveis não apenas do Estado, mas ainda da sociedade pelos seus comissários do povo, velhice aqui ainda cultuada, de triste memória na história da humanidade.

Ocorre que em função desse estatismo para opô-lo havia o receituário neoliberal de pregar um outro absurdo, o do Estado Mínimo, um minimalismo incompatível também com as exigências modernas. O Estado americano ou europeu nada tem de mínimo e em muitos deles há estatais de energia como na França, mas o sentido da autonomia do cidadão é muito mais forte nas civilizações mais avançadas. A busca da libertação individual, da construção do destino como imposição existencial aqui é barrada pelo culto ao emprego público e também à rejeição ao empreendedorismo e ao risco, hoje felizmente menos seguida.

A covardia do PSDB, quando acusado de “privativista” e não ter reagido aos ataques do PT, lembrando casos como o dos telefones celulares, ajuda a consolidar esse escapismo filológico-semântico que só serve para enfatizar o nosso atraso. Capitalismo sem lucro e sem risco, tal qual a Banda dos Fuzileiros Navais e a jaboticaba, são coisas nossas, como diz a MPB.