Editorial, Estadão
Uma “sangria desatada não contida” foi como o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz descreveu a previdência brasileira ao comentar o relatório de fiscalização do sistema previdenciário aprovado pela Corte de contas no fim do ano passado. A auditoria, segundo Cedraz hoje presidente do TCU , deixou claro que o sistema pode quebrar “se não forem tomadas medidas em tempo hábil”.
Tomando como base dados de 2013, o relatório mostrou que o déficit do regime previdenciário dos servidores públicos da União que atendia cerca de 670 mil servidores civis e 270 mil militares aposentados foi maior do que o dos cerca de 24 milhões de aposentados da iniciativa privada. Naquele ano os gastos do governo com previdência superaram as despesas com saúde, educação e assistência social somadas. A situação não se modificou.
O déficit dos dois regimes o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), de responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que atende os servidores públicos foi de R$ 112,5 bilhões em 2013 e alcançou R$ 123,4 bilhões em 2014.
É dinheiro que deixou de ser aplicado em obras e serviços públicos. O rombo dos dois regimes é mais do dobro do que o governo investiu no seu plano mais alardeado, o Programa de Aceleração do Crescimento, no qual foram aplicados R$ 57,7 bilhões no ano passado.
O número de segurados do INSS subiu para 26 milhões no ano passado, enquanto o déficit alcançou R$ 57 bilhões, com aumento de 14% em relação ao rombo de 2013, que foi de R$ 49,9 bilhões. Já o número de aposentados e pensionistas da União manteve-se em torno de 1 milhão de pessoas, mas o déficit do regime próprio dos servidores alcançou R$ 66,7 bilhões, 6,4% mais do que o de 2013, de R$ 62,7 bilhões.
Embora tenha crescido menos, o déficit da previdência do setor público continua muito maior do que o dos trabalhadores da iniciativa privada. A disparidade entre os sistemas fica mais evidente quando se compara o déficit por beneficiário de cada um. No INSS, o déficit por beneficiário ficou em cerca de R$ 2,2 mil, enquanto o rombo do regime do funcionalismo federal superou R$ 60 mil por beneficiário no ano passado.
Aprovada rapidamente pelo Congresso em 2003 com o objetivo de reduzir essa disparidade histórica, a emenda constitucional que institui a previdência complementar no setor público demorou para ser colocada em prática. Na esfera federal, a criação do regime complementar foi proposta em 2007, mas somente em fevereiro de 2013 começou a operar a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) destinada aos servidores do Poder Executivo.
Pelo novo regime, os funcionários que ingressaram no serviço público depois de 31 de janeiro de 2013, bem como os servidores antigos que aderirem à Funpresp, terão aposentadoria limitada ao teto em vigor para os segurados do INSS e a complementação será proporcional aos rendimentos dos recursos que aplicarem no fundo.
Os efeitos da mudança só começarão a surgir nas contas do regime próprio de aposentadoria dos funcionários públicos dentro de alguns anos, quando a Funpresp começar a pagar os benefícios, reduzindo assim os encargos do Tesouro. Até lá, o déficit do sistema previdenciário do setor público continuará a crescer. Para este ano, por exemplo, prevêse um rombo de R$ 75,4 bilhões. Já o de 2016 dependerá do reajuste que o governo Dilma conceder aos servidores federais, cujos vencimentos não têm acompanhado a inflação nos últimos anos.
O déficit do regime geral, de responsabilidade do INSS, será impulsionado neste ano pela piora do mercado de trabalho, que deverá reduzir a arrecadação. Esse problema conjuntural se somará a outro que há algum tempo preocupa os especialistas em previdência: o aumento da idade média da população, que faz o número de beneficiários crescer mais depressa que o de contribuintes do sistema.
São restrições que fortalecem o alerta do TCU.
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