Minha esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia” – Paulo Freire
Silvana Souza e Zé Beto Maciel
Com a posse do economista Ênio Verri para diretoria-geral brasileira da Itaipu Binacional, muito se fala e se comenta que a empresa é uma mãe para Foz do Iguaçu, especialmente nos últimos quatro anos, com uma série de obras grandes como a segunda ponte, a perimetral leste, a duplicação da Rodovia das Cataratas, a reforma e ampliação da pista, acesso e do terminal do aeroporto internacional das Cataratas.
A temeridade de alguns setores é a não conclusão das obras, principalmente da Perimetral Leste e das obras complementares da segunda ponte, o que já foi afastado por lideranças do petismo e pelo próprio Verri, apesar que o ritmo das obras vem diminuindo gradualmente.
O canteiro de obras catapultou a boa estima que a binacional tem com os iguaçuenses e projetou o general de reserva Joaquim Luna e Silva como um gestor muito mais do que bem quisto da cidade. Nota-se que a Itaipu deve investir algo mais do que R$ 1,5 bilhão nas obras e que elas fazem parte da ocupação territorial de Foz do Iguaçu, sobretudo, para as regiões leste e nordeste.
É bom lembrar ainda que entre as obras está ainda a iluminação dos trechos urbanos da BR-277 entre Foz, Santa Terezinha de Itaipu e São Miguel do Iguaçu e outras de menor impacto, mas também muito importantes para a cidade.
As obras são necessárias? Sim, são necessárias. O plano de expansão territorial é bom? Sim, é bom. Vai evitar o estrangulamento urbano da região central e suas adjacências, mas há também incongruências que vamos persegui-las neste artigo.
Além da expansão urbana, o argumento da Itaipu Binacional para as obras custeadas por seus recursos – o que diga-se de passagem também são nossos – é dotar a cidade de uma infraestrutura adequada para receber bem e ampliar a presença do turista na região da tríplice fronteira. O próprio setor que opera o turismo aponta que a região já recebe perto de quatro milhões de visitantes por ano.
Esse binômio de investimentos públicos e privados soma o equivalente a mais de R$ 3 bilhões entre novos atrativos, novos empreendimentos e a promessa das concessionárias do parque nacional do Iguaçu e do aeroporto internacional para os 30 anos de exploração da unidade de conservação e do terminal aeroportuário.
É o sonho e projeto de transformação da cidade de hubs de turismo e de logística (com o porto seco, aeroporto de cargas e ramal da Ferroeste) do Mercosul, somada a um centro internacional de compras mais econômico para os bolsos dos brasileiros e para os moradores do Cone Sul do que Miami (EUA). Esse é o plano que ainda não tem críticas, fora aquelas pontuais.
Falamos das licitações das concessões do aeroporto e do parque nacional, uma exploração de 30 anos que não se mensura a capacidade de receber mais visitantes sobre o impacto causado nesse santuário da natureza, muito menos a restrição de acessos para os moradores lindeiros e a dificuldade de garantir parte da renda para planos de divulgação, de educação ambiental e mesmo de proteção e preservação do meio ambiente. Nota-se que a proposta da concessionária de investir R$ 500 milhões nos próximos cinco anos.
O mesmo podemos dizer sobre a concessão do aeroporto internacional. A Itaipu, o Estado e a Infraero investiram mais de R$ 81 milhões nas reformas, ampliação da pista e terminal e a duplicação do acesso. O aeroporto das cataratas, uma das jóias da coroa do sistema aeroportuário do país, foi arrematado por uma outorga de R$ 70 milhões e com a promessa de investimentos de R$ 512,3 milhões nos próximos 30 anos.
Não há qualquer catiça ou mau agouro, mas sempre é bom lembrar que concessões rodoviárias e de terminais aeroportuários já reduziram investimentos ou foram abandonadas quando não há a estimativa do retorno esperado.
Também vamos citar an passant outras três situações. A da Perimetral Leste, além de não se prever as ligações com a região mais central, que saltou seu custo para R$ 336 milhões – o dobro da proposta inicial – com a projeção de mais dois viadutos (Felipe Wandscheer e República Argentina), ainda faltam pelo menos mais três interseções no trecho entre a Avenida República Argentina e BR-277 e projeta-se a necessidade de duplicá-la já que será construída apenas uma pista de rolamento. Verifica-se agora no decorrer das obras que lagoas, alagadiços e nascentes estão sendo afetadas.
A situação da segunda ponte também é sui-generis. A ponte está pronta, porém as obras complementares (acessos, trevos e ligações) estão perto dos 40% no lado brasileiro e somente agora que o Paraguai contratou o projeto executivo das ligações em Presidente Franco.
Há uma terceira situação que vamos expô-la. Trata-se da construção do novo porto seco em Foz do Iguaçu. A Receita Federal apontou três perímetros para a escolha de uma área e nos três casos, os impactos vão além do ambiental e social. Se vende o novo terminal alfandegário com um investimento privado fabuloso de R$ 300 milhões – e o é mesmo. Mas a nossa pergunta é simples: como uma atividade que movimentou R$ 33 bilhões no passado, não têm condições de oferecer contrapartidas para mitigar os prejuízos causados por um empreendimento desta envergadura?
Não somos iconoclastas, ecochatos ou extremistas intencionados em atravancar o crescimento da cidade. Entendemos que o desenvolvimento econômico é muito importante para Foz do Iguaçu desde que mediado e que atenda os interesses do conjunto da população, não somente de poucos afortunados. Não há como não se questionar que uma cidade tão rica tenha uma média salarial entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil, nos melhores cenários.
Por isso, voltamos ao papel que a Itaipu pode exercer na cidade e na região, muito mais do que erguer e traçar grandes obras e que isso seja sua função primordial. Antes mesmo de jogar no ralo da memória, é muito importante destacar a guinada dada pela binacional a partir de 2003 com a criação de um parque tecnológico, o apoio à implantação de uma universidade latinoamericana (a Unila), o apoio a promoção e divulgação de turismo e aos agentes ambientais e projetos que poderiam potencializar desde a preservação dos mananciais (Água Boa) à produção pesqueira.
No parque nacional, a visitação passou de 646 mil em 2002, progressivamente até dois milhões antes da pandemia. Cenário econômico, os aeroportos se transformando em rodoviárias (para o desespero de alguns) e a Itaipu ajudaram a esse impulso. Assim como o Fundo Iguassu contratou vários projetos executivos que vão desde praças à avenidas (Beira Foz).
E é justamente por essa perspectiva que esperamos a atuação da binacional na cidade. Que os investimentos não se concentram naqueles que chamam em perfumarias (portais, mirantes, etc) e que também não se concentrem na região norte.
Que o Vila A Inteligente alcance o Porto Meira, que o projeto de reforma e construção de moradias atenda o Bubas, que a construção de ciclovias possa formar uma malha ligando todas as regiões da cidade, que o plano de revitalização de rios e áreas verdes alcance o Boicy, Monjolo, Almada, Beira Foz, se estendendo a proteção e preservação das matas ciliares, cursos e nascentes de água.
Que apoio da Itaipu abrace os estudantes mais pobres no ensinos fundamental, médio e superior, que envolva projetos de transporte urbano (tarifa zero), apoie a determinação dos povos indígenas na região, implemente e custeie projetos de desenvolvimento científicos e de incentivo à leitura nas escolas públicas, apoie a produção cultural popular e periférica, produção de filmes que registrem a história do nossa cidade e nosso povo, que amplie o apoio às cooperativas de catadores e que incentive hortas comunitárias, compostagem, a produção da agricultura familiar e agroecológica.
Elencamos essa lista de iniciativas para dizer duas máximas surradas: uma cidade é boa para o turista quando é boa para seus moradores; e que progresso não significa verticalizar, canalizar rios e rasgar regiões com obras. Progresso e crescimento significam qualidade de vida, redução da desigualdade social e valorização dos trabalhadores,
O pronunciamento do presidente Lula na posse de Enio Verri é inspirador e contradita a prática, embora míope, que o poder público serve preferencialmente para atender os interesses de quem está no alto da pirâmide social.
Silvana de Souza é professora e doutora em educação da Unioeste
Zé Beto Maciel é poeta e jornalista
Deixe um comentário