“Foi como se o chão tivesse se aberto e eu tivesse caído. Eu não tinha conhecimento nenhum sobre a doença”. A afirmação de Dorveli de Lima é um relato fiel do que os portadores da doença celíaca e familiares enfrentam ao receberem o diagnóstico. A filha de Dorveli, Thaynara de Lima, convive com a doença e seus desafios há 16 anos. A jovem encara as restrições alimentares com naturalidade, mas o preconceito e a falta de informações ainda são os maiores problemas. “Há quem questione e quem critique. Já falaram que é uma frescura, mas é porque a pessoa não tem conhecimento sobre o assunto. Quando a pessoa tem conhecimento, ela para de questionar. Quando falam algo assim para mim, eu apresento a doença e pronto”.
Foi justamente com o intuito de disseminar o conhecimento e minimizar o preconceito que foi instituído o Dia Estadual do Celíaco, em 20 de maio. A primeira passagem da data foi comemorada na Assembleia Legislativa do Paraná com um café da manhã especial para os celíacos e palestras sobre o assunto. A iniciativa foi da deputada Claudia Pereira (PSC), autora do projeto de lei que criou a data comemorativa. “No ano passado fizemos uma audiência pública e surgiu essa necessidade. O próprio celíaco muitas vezes não tem muita informação, não sabe que tem a doença celíaca, sofre com as consequências e não tem conhecimentos sobre como se cuidar. Nós entendemos que era importante termos um dia assim, de conscientização. Nós também queríamos ter um dia para que pudéssemos discutir assuntos voltados a políticas públicas que vão ajudar o celíaco”.
Diagnóstico – A predisposição genética para o desenvolvimento da doença celíaca está presente em quase 2% da população mundial. Quando há outros diagnósticos na família, a incidência de casos aumenta para 20%. Além dos sintomas intestinais e outras manifestações já associadas ao glúten, a ausência de sintomas pode atingir até 70% das pessoas com a doença. Os dados foram apresentados pelo médico gastroenterologista Paulo Roberto Costa Claro, que ressaltou a importância de eventos como o desta sexta-feira (20), na Assembleia Legislativa. “É muito importante, porque o celíaco se sente abandonado, com uma doença que o faz sofrer bullying, que o faz sofrer críticas, e que tem tratamento caro. Ele se sente muitas vezes isolado. Então, toda ação tende a melhorar e aliviar essa situação”.
A falta de conhecimento sobre a doença celíaca também é outro fator que dificulta o diagnóstico e seu tratamento. “Não tem na medicina, especificamente, o entendimento da nutrição e, mesmo na nutrição, não temos informações tão aprofundadas do processo nutricional na interferência das doenças. Então a gente acaba tendo, em todas as áreas profissionais, pessoas despreparadas para entender as causas alimentares dos desiquilíbrios do organismo”, explica Denise Madi Carreiro, nutricionista funcional e outra palestrante do dia.
Por isso, o tema chamou a atenção da acadêmica de Nutrição Eduarda Folly, que pretende seguir a linha funcional. “Eu achei sensacional o evento. É uma oportunidade de aprender uma coisa diferente da faculdade, onde a gente aprende o básico, o geral. Também temos a oportunidade de conhecer quem tem a doença celíaca, como é o dia a dia. Para a gente que faz Nutrição é uma chance de poder usar isso no futuro”.
Legislação – Quem participou do evento também teve a oportunidade de conhecer as medidas adotadas pela Vigilância Sanitária Estadual na fiscalização de produtos e serviços e a nova legislação que passa a vigorar ainda este ano. A partir de agosto, os fabricantes serão obrigados a informar nos rótulos a presença de alimentos alergênicos, como ovos, leite e soja. No entanto, para o diretor do Centro Estadual de Vigilância Sanitária, Paulo Costa Santana, a legislação ainda tem muito para avançar. “Penso que a gente tem que avançar na questão do processo de preparo desses alimentos para evitar a contaminação cruzada. Dessa forma vai ser possível ter a certeza de que a informação que está na rotulagem condiz com o produto, que não tem elementos presentes por processos de produção que não foram devidamente controlados”. A contaminação cruzada é uma transferência de traços ou partículas de um alimento para o outro, diretamente ou indiretamente. Ela pode ocorrer de diversas formas durante a cadeia produtiva: no plantio, colheita, armazenamento, beneficiamento, industrialização, transporte, bem como na área de manipulação de alimentos. Uma simples colher usada em cereal com glúten, ao ser usada no produto sem glúten, por exemplo, produzirá a contaminação nociva aos celíacos.
Outra iniciativa que passou recentemente pela Assembleia Legislativa do Paraná foi a criação do Selo Sem Glúten para estabelecimentos comerciais. A proposta da deputada Claudia Pereira, aprovada pelos deputados, já foi sancionada pelo govenador Beto Richa, tornando-se lei estadual. Falta apenas a regulamentação para que a medida passe efetivamente a vigorar no estado. “Esse selo é para que a pessoa, quando passe por um restaurante ou uma padaria, por exemplo, consiga identificar que ali há produtos direcionados para ela. Quem tem dieta restritiva, como o celíaco, precisa saber onde encontrar o alimento adequado, porque esse é o único remédio que ele tem: abster-se totalmente de alimentos com glúten”.
Doença – A doença celíaca é a intolerância do organismo ao glúten, uma proteína presente no trigo, no centeio e na cevada e também na aveia, na forma de contaminação cruzada. Quem tem o diagnóstico da doença não pode ingerir nenhum alimento ou medicamento ou usar produtos que contenham o glúten. Por isso, a jovem Thaynara sempre tem à mão uma marmita. “Para onde eu for eu tenho que carregar minha marmita ou algum lanche. Se eu vou para a casa de uma amiga, eu tenho que levar lanche. Às vezes você vai a algum lugar que diz que tem alimentação sem glúten, mas tem contaminação cruzada e outros problemas. Então eu prefiro levar a minha comida. É mais seguro”.
Os sintomas mais frequentes da doença são o quadro frequente de diarreia sem causa evidente, má absorção de nutrientes, doenças na tireoide, osteoporose precoce, perda de peso excessiva sem causa definida e dermatites.
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