Candidato que abraçar reformas letais contra a corrupção e politicagem arrisca-se a ser imbatível
É pura ilusão acreditar que mais uma eleição dentro da mesma regra “proporcional” das anteriores – agravada agora pelo “financiamento público” que abafa a voz de quem entra limpo na disputa enquanto dá um megafone ao continuísmo – vá mudar qualquer coisa de significativo na tragédia brasileira. É de uma ingenuidade de dar pena afirmar que “eleger gente honesta” é o quanto basta, como se jogar honestamente se tivesse tornado milagrosamente possível num jogo que começa viciado pela obrigação de todo estreante de compor-se com os donos das capitanias partidárias hereditárias e seus latifúndios no “horário gratuito” e prossegue com os políticos, tornados intocáveis assim que eleitos pelos 30 coproprietários do “fundo partidário” dimensionado e redimensionado “a gosto”, negociando cada voto nos Legislativos.
Também é sonho de uma noite de verão imaginar que a doença brasileira possa ser curada só com ações policiais e judiciais encomendadas ou desencomendadas a critério de agentes públicos refestelados em privilégios e fora do alcance dos eleitores. Quanto do “vaza-não vaza” que atinge exclusivamente o Legislativo e o Executivo responde a uma disposição genuína de fazer justiça? Quanto ao propósito de deter reformas contra privilégios? Quanto às disputas de poder de inspiração ideológica ou patrimonialista?
Nem pouco, nem muito mais do mesmo mudará coisa nenhuma. A primeira providência comezinha para tirarmos o pé desse passado grudento é liberar a portaria da política. Despartidarizar as eleições municipais e condicionar as estaduais para cima a eleições primárias diretas. Nos municípios – todos únicos e radicalmente diferentes entre si – deve concorrer quem quiser, independentemente de partidos. E nas eleições estaduais e federais quem quer que chegue às portas do partido apoiado por uma lista de assinaturas não muito extensa terá obrigatoriamente de ser incluído na disputa pelo direito de candidatar-se que os associados da agremiação decidirão no voto direto. É o quanto basta para varrer de cena os velhos caciques, sem a eliminação dos quais o ambiente político não se higieniza.
No mais, o nome do jogo é “democracia representativa”. A implantação de um sistema que permita saber exatamente quem representa quais eleitores em cada instância de governo é, portanto, o que nos poderá credenciar a entrar nele. Isto se consegue com eleições distritais puras. O eleitorado tem de ser dividido em distritos mais ou menos equivalentes em número de habitantes desenhados sobre o mapa real da localização do seu domicílio, do menor (o bairro ou conjunto de bairros em eleições municipais) para o maior (um conjunto de distritos menores em eleições mais amplas). O tamanho dos distritos é dado pela divisão do número de habitantes pelo número de representantes que se deseja ter na instância em disputa e só pode ser alterado em função do censo populacional. O Brasil de 204 milhões de habitantes, mantido o número de deputados federais de hoje, seria dividido em 513 distritos de aproximadamente 400 mil habitantes. Como cada distrito só pode eleger um representante e cada candidato só pode concorrer por um distrito, além de reduzir drasticamente o custo das campanhas, o sistema permite que cada deputado eleito saiba o nome e o endereço de todos os seus representados.
Mas eleição distrital não é uma solução em si mesmo. Ela apenas permite viabilizar o controle efetivo do processo político pelos eleitores com garantia de absoluta legitimidade daí por diante. Esclarecido quem representa quem, o passo seguinte é consagrar o direito à retomada dos mandatos traídos ou mal satisfeitos a qualquer momento (recall). Qualquer cidadão pode iniciar uma petição para desafiar o seu representante. Se conseguir uma porcentagem previamente definida de assinaturas, será convocada uma nova eleição apenas no distrito envolvido para reconfirmar ou cassar seu representante e eleger um substituto.
O resto do ferramental inclui o direito ao referendo por iniciativa popular das leis passadas nos Legislativos usando a mesma mecânica de legitimação do recall, o que torna efetivo, de troco, o direito de oferecer leis de iniciativa popular que os brasileiros “já têm” (pra se enganar quem gosta), pois a última palavra sobre toda lei passa a ser daqueles a quem ela será imposta, e não mais de legisladores livres para legislar em causa própria.
Isso de fato entrega o poder a quem a Constituição define como a “única fonte de legitimação do estado”, nós, o povo, também dito o eleitorado. Mas todo esse edifício só se mantém solidamente em pé com o complemento das periódicas “eleições de retenção” de juízes, o Brasil amargamente sabe por quê. As comarcas sob a alçada de cada um devem ter correspondência com os distritos eleitorais e a cada eleição o nome de cada juiz de cada tribunal, até a instância estadual mais alta, aparecerá na cédula dos eleitores sujeitos à sua jurisdição com a pergunta sobre se deve manter ou não seu cargo e suas prerrogativas por mais um período. Os que forem expelidos serão substituídos pelo sistema normal de nomeação de juízes, com o que se cria um controle efetivo do Judiciário operando exclusivamente a porta de saída, sem interferir com a independência de quem permanecer dentro do sistema.
A eleição de outubro vai se desenhando como desolada e negativamente plebiscitária. A escolha restringe-se a votar simbólica e genericamente “contra a política” ou pela continuação dela por falta de melhor e medo do pior. Ninguém oferece plataforma nenhuma que se possa apoiar. E adotar um tom radical, mesmo que seja em torno de nada, é a única coisa que empurra candidatos para cima do brejo geral dos sub-10%. Se alguém abraçar radicalmente uma plataforma de reformas não apenas que faça sentido, mas que possa exibir uma certificação histórica de eficiência letal contra a corrupção e a politicagem, estará, portanto, seriamente arriscado a se tornar um candidato imbatível.
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