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Por que o Brasil é um país tão desigual?

José Anibal

Uma série de estudos recém-divulgados jogou luz à questão das desigualdades no Brasil. Sejam quais forem as metodologias e índices utilizados, a constatação é sempre a mesma: somos um país muito atrasado nesse quesito. O grande desafio de oferecer oportunidades e acesso a direitos e serviços públicos de qualidade em um nível mais equânime mostra-se ainda pertinente para a construção de um futuro mais próspero e promissor.

Há diversas formas de se medir a desigualdade no Brasil. A questão, porém, não se restringe a contabilizar quanto ganham os mais ricos, os mais pobres e a grande massa intermediária. Claro que é importante buscar meios de incrementar a renda dos mais pobres e estimular a mobilidade social, mas o que é de fato fundamental é entender as causas, os fatores que levam o país às piores posições de quaisquer comparativos internacionais de desigualdade.

Para começar, há uma distorção do papel do Estado e de suas políticas públicas relacionadas ao “ponto de partida” e à “linha de chegada” da corrida social. O papel prioritário de qualquer governo deve ser prover os mais necessitados de condições básicas para manter a si e a sua família, ofertar saneamento, serviços de saúde e educação de qualidade. A igualdade a ser perseguida é essencialmente no ponto de partida, isto é, reduzir as diferenças entre uma criança rica e outra pobre e permitir que, cada uma, atinja o ápice de suas capacidades.

A experiência internacional mostra que é preciso fazer um investimento massivo e consistente na educação de uma criança logo em seus cinco, seis primeiros anos de vida. Negligenciar esse período de formação educacional é condená-la a ter menos oportunidades de crescimento profissional e, consequentemente, de renda e qualidade de vida. Está aí uma das chaves para entender por que Brasil e Coreia do Sul eram tão similares no fim dos anos 1970, em termos de renda per capita, e hoje um coreano médio ganha três vezes mais que um brasileiro.

Outro fator importante a ser enfrentado são os sistemas que beneficiam poucos em detrimento de muitos. Como já expus em outras oportunidades, as regras de aposentadorias e pensões no Brasil são um estímulo à desigualdade, ainda que o INSS seja visto como um instrumento de redistribuição de renda.

Na prática, ocorre o inverso: uma grande massa de beneficiários, mais de dois terços, recebe o pagamento mínimo, equivalente a um salário mínimo, enquanto poucos privilegiados ainda contam com o benefício máximo do INSS – cerca de 5,5 salários mínimos – e mais outras benesses decorrentes das aposentadorias especiais. É isso que tornou o sistema previdenciário irracional e insustentável. Devemos persistir nessa missão, pois as resistências corporativistas e patrimonialistas seguem resilientes em interditar uma medida importantíssima não só do ponto de vista fiscal, mas também de construção de um país com menos privilégios.

Outro sistema que em nada ajuda a reduzir as desigualdades é o tributário. Arrecada-se mais do consumo do que do patrimônio e da renda, ao contrário do que recomenda a experiência internacional. Assim, as famílias com renda mais limitada comprometem muito mais seu orçamento com tributos do que os mais abastados, que ainda contam com mais instrumentos de isenção tributária. Muito além de uma disputa federativa entre União, estados e municípios, o sistema de impostos brasileiro precisa de uma reforma que o torne mais justo, reduzindo o peso sobre os mais pobres e elevando a participação dos que podem contribuir mais, sem abusos nem proselitismos.

Discutir e estimular a redução das desigualdades no Brasil deve ser a missão primeira de todo agente público. Não é tarefa fácil promover mudanças estruturais efetivas e de efeito duradouro, como foi por exemplo a estabilização da moeda e o fim do ciclo de hiperinflação logrados pelo Plano Real. Um novo choque de reformas precisa ter como objetivo principal, de um lado, acabar com o patrimonialismo que suga recursos do Estado e, de outro, bloquear as iniciativas voluntaristas de curto prazo e baixíssimo poder de transformação. Só assim começaremos a, enfim, deixar de ter a desigualdade como uma marca do Brasil.

José Anibal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela