Luiz Claudio Romanelli
“Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor” – Salvador Allende em seu último discurso, momentos antes de ser morto pelo golpe militar de 1973 no Vhile
Durante a XVII Conferência Ibero-Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile, no final de 2007, o rei Juan Carlos de Espanha, irritado com o discurso do presidente venezuelano Hugo Chávez, proferiu a frase que ficaria famosa: ¿Por qué no te callas?
Pois está mais do que na hora de dizer o mesmo ao presidente Jair Bolsonaro e a alguns dos seus ministros, por último o do Meio Ambiente que após 45 dias sem explicações – e ações efetivas -, sobre o desastre ambiental que atinge com manchas de petróleo cru o litoral nordestino, imaginou uma conspiração do Greenpeace, que teria usado o seu navio Esperanza para derramar óleo venezuelano em nossas praias. Especialmente em suas viagens internacionais, a cada vez que dispara uma bobagem, o presidente faz o Brasil passar vergonha.
Na quarta-feira (23), no Japão, soltou mais uma pérola, ao dizer que a vitória da chapa formada por Alberto Fernández e pela ex-presidente Cristina Kirchner coloca em risco o Mercosul. “Nós sabemos que a volta da turma do Foro de São Paulo e da Cristina Kirchner para o governo argentino pode, sim, colocar em risco todo Mercosul. E se possivelmente colocando em risco todo o Mercosul, repito, possivelmente, você tem de ter uma alternativa no bolso”, disse.
Em agosto, o presidente já havia ameaçado deixar o Mercosul, caso a oposição venha a vencer as eleições na Argentina. “O atual candidato que está na frente na Argentina, que tem a Cristina Kirchner como vice, ele já esteve visitando o Lula, já falou que é uma injustiça o Lula estar preso, já falou que quer rever o Mercosul. Então, o Paulo Guedes [ministro da Economia], perfeitamente afinado comigo, por telepatia, já falou: se criar problema, o Brasil sai do Mercosul. E está avalizado, não tem problema nenhum”, afirmou.
Pessoalmente, creio que essas declarações não passam de bravatas, e que o Brasil não deixará o Mercosul, até porque ele sozinho não tem competência para romper um tratado internacional, mas com esse governo, nunca se sabe…
Desde a década de 90, o Mercosul tem sido um instrumento de aquecimento das relações econômicas entre seus países membros. Nos últimos dez anos, o Brasil vendeu por volta de US$ 87 bilhões (cerca R$ 353 bilhões) em mercadorias para nossos vizinhos do bloco.
O Mercosul é o segundo mercado mais atraente para o empresariado brasileiro, gerando em torno de 31.100 empregos a cada R$ 1 bilhão em exportações brasileiras, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria. (CNI)
Um estudo da CNI mostra que 2,4 milhões de empregos e R$ 52 bilhões em massa salarial, em alguns dos estados onde a votação do presidente Jair Bolsonaro foi mais expressiva, estarão em jogo com o eventual fim do Mercosul ou a flexibilização da TEC (tarifa externa comum) em vigor no bloco, segundo reportagem da Folha de São Paulo.
O Mercosul é o maior destino das exportações brasileiras de manufaturados (20,4%) e produtos de alta e média intensidade tecnológica (25,6%) e essas vendas são as que mais geram empregos, pagando salários maiores, revela a reportagem.
Brasil e Argentina divergem sobre a TEC, a Tarifa Externa Comum adotada pelos membros do Mercosul para importações oriundas de países que estão fora do bloco. Com a redução tarifária de produtos para outros países, defendida pelo Brasil, a indústria brasileira teria redução média do imposto de importação para o setor de 13,6% para 6,4%. Em cada dez itens, seis teriam descontos superiores a 50%. Na média, a TEC ficaria em 6,8%, com uma redução de 40%.
Reduzir as alíquotas de importação, como propõe o governo brasileiro seria uma catástrofe, na avaliação do ex-ministro Rubens Ricúpero.
Em artigo publicado na revista Época, em junho deste ano, o jornalista Oliver Stuenkel, da Americas Quarterly, publicação norte-americana, já alertava que a política externa caótica de Bolsonaro preocupa a América do Sul.
Segundo o articulista, “o que mais preocupa os diplomatas da América do Sul, no entanto, não são as ideias de Bolsonaro em si, mas o fato de que a política externa brasileira — e a diplomacia presidencial em particular — se tornou imprevisível. Há um consenso crescente, de Bogotá a Santiago, de que as decisões de Brasília são produto de disputas internas de poder em vez de cálculos estratégicos — uma situação preocupante para os latino-americanos, tendo em vista que a participação ativa do Brasil é crucial para o avanço de qualquer iniciativa na região”, afirmou.
Especificamente sobre a Argentina, o jornalista analisa que Bolsonaro comete um erro de principiante.
“Ao repetidamente alertar os argentinos sobre os perigos do retorno ao poder do movimento da ex-presidente Cristina Kirchner nas eleições de outubro, Bolsonaro cometeu um erro de principiante. Não só sua retórica foi de pouca ajuda para o presidente Macri — cujas esperanças de reeleição dependem de sua habilidade em atrair eleitores moderados, que veem Bolsonaro com maus olhos — como também pode criar um problema para o Brasil caso o kirchnerismo retorne de fato, afetando negativamente a mais importante relação bilateral na América do Sul. Enquanto os interesses em integração regional forem baseados em alinhamentos ideológicos temporários, não há muita esperança para um debate construtivo de longo prazo sobre o futuro da região”, conclui.
Aliás, a política externa brasileira revela-se uma catástrofe e a imagem do Brasil só piora com as declarações estapafúrdias mais recentes do presidente e seus ministros sobre a Amazônia, o desastre ambiental no Nordeste brasileiro, entre tantas outras.
Bolsonaro tem se revelado mesmo uma pessoa imprevisível, especialmente quando decide intempestivamente falar sobre outros mandatários. Já comprou briga com o presidente francês Emmanuel Macron, com a ex-presidente chilena Michele Bachelet, com a chanceler alemã Ângela Merkel.
Enquanto o presidente peregrinava pela Ásia e Oriente Médio, tivemos no Chile o que a sociologia denomina de esgarçamento do tecido social. Desde o fim do regime militar, comandado com mão de ferro pelo General Augusto Pinochet, havia um consenso da direita latino americana de apontar o sucesso da aplicação do neoliberalismo econômico no país andino. Ledo engano, de repente por causa de um aumento de 30 pesos chilenos (R$ 0,17), da tarifa do metrô assistimos protestos violentos, decretação do estado de emergência, manifestação de mais de 1.200.000 pessoas, que obrigaram o governo Sebastian Piñera a criar uma agenda social para tentar aplacar a ira dos chilenos com a pobreza e a desigualdade social criada pelas ideias defendidas por economistas iguais ao ministro Paulo Guedes.
Não satisfeito com o que já assistimos em 2013, que a partir de uma elevação de preço da passagem de ônibus em SP em R$ 0,20, o povo foi para a rua, na maioria das vezes de forma pacífica, lá vem o Bolsonaro com a ameaça de chamar o Exército se algo parecido acontecesse no Brasil.
Para o bem do Brasil e dos brasileiros, deveria ouvir as sábias palavras do Rei Juan.
Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB.
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